Já postergado, calendário da maioria das federais permite adiamento do Enem
Existe um problema em querer levar vida normal em tempos em que as coisas estão tudo, menos normais: os desejos não encontram eco na realidade. Foi assim com a sabotagem aos lockdowns, o pouco caso com o distanciamento social, a minimização da doença - e é assim agora com a insistência de realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos dias 17 e 24 de janeiro.
O exame que abre as portas para as principais universidades públicas do Brasil ocorrerá tendo como pano de fundo a catástrofe humanitária que, mais uma vez, se abate sobre Manaus. Que um decreto estadual tenha suspendido a aplicação da prova no Amazonas - sob protestos do Governo Federal, que mesmo com o estado em colapso tenta reverter a decisão - apenas evitará que eventuais aglomerações nos locais de aplicação rivalizem com caixões empilhados ou câmaras frigoríficas com vítimas da covid-19. No resto do país, segue o barco.
Evidente que um adiamento, qualquer adiamento, traz transtornos. Mas é preciso novamente pesar benefícios e prejuízos. No caso do Enem, a conta fecha a favor da postergação. O argumento do INEP de que adiar o exame "coloca em risco políticas públicas" não se sustenta. A ideia é que a prova bagunçaria a admissão em universidades públicas - por conta do Sisu - e privadas - em razão das bolsas do Prouni, que utilizam a nota do exame para conceder gratuidades. A defesa não para de pé. Por partes:
Do lado das públicas, o calendário já está bagunçado. Entre as universidades federais, a maioria não começará o ano letivo de 2021 antes de junho, por conta de reposições de 2020. Alguns exemplos: Federal do Mato Grosso (UFMT) prevê início das atividades de 2021 no final de outubro; Federal do Pará (UFPA), meados de outubro; Federal de Pernambuco (UFPE): final de setembro; Federal de Goiás (UFG), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB): final de junho; Federal do Espírito Santo (UFES) e Federal de Santa Catarina (UFSC): meados de junho.
Cumprido o calendário atual, a divulgação dos resultados do Enem está prevista para 29 de março, com abertura do Sisu, sistema classificatório das federais, no mês de abril. Não haveria grande inconveniente em agendar nova data para a prova, digamos, para março ou abril, com possibilidade de revisão de acordo com os níveis de contágio. A maioria das instituições de ensino que usam o Enem como prova de admissão nada ou pouco precisariam fazer. Outras necessitariam de algumas adaptações - nada grave, já que "adaptação" é palavra-chave na vida no novo normal.
Quanto às faculdades e universidades privadas, a maioria iniciará seus períodos letivos de maneira remota no começo de fevereiro, ou seja, sem o resultado da prova. Do ponto de vista prático, é contornável a diferença das notas chegarem no final do 1º bimestre de aulas ou um pouco mais adiante.
Do ponto de vista sanitário, a comparação com do Enem com outros vestibulares como Fuvest e Unicamp é inexata. Ainda que as medidas de distanciamento e redução na ocupação de salas sejam parecidas, há diferenças. A Fuvest trabalhou com 40% da ocupação das salas - o Enem prevê 50%. Não houve no exame nacional adaptações quanto à duração do exame - sabe-se que o risco de contágio é maior conforme o tempo de exposição. Contraste com a Unicamp, que diminuiu o número de questões da primeira fase de 90 para 72, e o tempo máximo de prova de cinco para quatro horas. Fundamentalmente, falta fiscalização: a prova nacional é aplicada por empresas contratadas. Como não está prevista qualquer forma de aferição oficial, será preciso contar com a sorte, em todas regiões do país, para que os protocolos sejam de fato obedecidos.
É mentira que "a realização do exame na data marcada é perfeitamente possível e segura para todos os envolvidos, não havendo riscos de ordem sanitária". Risco zero, só com vacina - que é para onde deveriam estar direcionados todos os esforços do país neste momento. Só vacina para ontem começará a resolver o desastre da educação, uma vez que o ensino a distância, corretamente chamado de "remoto emergencial" na maioria das universidades, amplifica desigualdades.
O Governo Federal dobra a aposta na queda de braço negacionista em um momento dramático, expondo jovens às novas cepas do vírus que parecem atingir com mais força justamente essa faixa etária. Um novo adiamento para longe do pico, com diminuição dos riscos, seria a medida sensata. Mas "sensatez", como se sabe, não é palavra-chave na vida deste governo e deste MEC, antes, durante ou depois da pandemia.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.