Sugestão de presente para SP: espaços públicos em cada novo prédio
Da varanda não gourmet, mas nada contra, posso ver e ouvir os pavimentos subindo. Já são oito na torre A e cinco na B. De segunda a sábado, começando religiosamente às 7 da manhã, segue em ritmo acelerado a construção de mais um condomínio de prédios na vizinhança. Não é o único. Dois quarteirões adiante, há três novos empreendimentos. Na rua paralela, outros dois, três esquinas à frente um par de edifícios e assim vai. Incontáveis casas desapareceram. Por mais que a gente se pergunte "quem vai comprar tudo isso no meio de uma bruta crise?", Perdizes é um bairro já vertical a ponto de se tornar um oceano de apartamentos de um, dois, três e quatro dormitórios.
Uma das novas construções ocupa dois terços de um quarteirão. O sufixo "ão" se justifica: é uma quadra superlativa, que no futuro abrigará duas megatorres e estrutura de lazer infinita. Enquanto tudo isso não sai do prospecto, o terreno é ocupado por um estacionamento, um suntuoso stand de vendas — e um singelo brinquedão de plástico, uma estrutura integrada com quatro pequenos escorredores, dois timões de barco, uma minibalança, portinhas, escadas. Eu poderia ter tirado uma foto, mas acho que deu para sacar que é um lugar simples, mas agradável para crianças.
Minhas filhas adoram. Apelidamos o lugar de "parquinho vermelho", evidente alusão à cor do equipamento. Com a escassez de opções nestas férias pandêmicas, batemos ponto no local. Como outros pais e mães com filhos, colaboramos para fazer deste parquinho provisório um hit no verão local.
Como se sabe, o espaço irá pelos ares assim que o número de unidades vendidas viabilizar o início das obras. A nós, frequentadores, resta torcer para que isso demore a acontecer. E também sonhar: não seria fantástico se o presente provisório se tornasse permanente?
Construir arranha-céus pode parecer a solução fácil. Mas o período de isolamento social do último ano mostrou, mesmo às classes altas, que uma cidade é mais do que uma sucessão de condomínios-clube ultrafortificados. Com suas opções culturais e de lazer fechadas ou sujeitas a enormes restrições, vimos São Paulo despida de seus adereços mais interessantes. Nua, a cidade se revela escassa em espaços sociais e convida à fuga. Tanto que o escape para o campo ou para a praia se tornou a escolha preferencial de quem podia e pode optar por onde cumprir o isolamento social.
Poderia ser diferente. Imagine se cada novo empreendimento reservasse um espaço de seu enorme terreno para um espaço público. Uma pracinha, um local para cães, uma área sombreada, uma fonte - há tão poucas na cidade! —, um parquinho. Em pouco tempo, São Paulo teria uma série de pequenos recantos a descobrir. Um convite e tanto a explorar a cidade e cuidar dela.
"Praia de paulista é shopping". Ao contrário da provocação, paulistas e paulistanos adoram espaços públicos. Penso sempre no corredor da avenida Sumaré, o oásis possível entre seis faixas de rolamento, e no sucesso da revitalizada praça Horácio Sabino — que, aliás, já viveu dias melhores. É só chamar que a gente vai.
Tornar público parte do que será privado não beneficiaria apenas quem vivesse no entorno do novo espaço. Os próprios donos teriam benefícios: uma redondeza mais movimentada (e em tese mais segura), uma vizinhança mais unida e coesa, um entorno mais limpo e bem cuidado. Seria um belo presente a São Paulo pensar numa valorização de seu espaço público aproveitando o recente boom imobiliário. Feliz 467 anos.
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