Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Movimento autoritário busca abrir escolas na marra
Escolas retomam aulas presenciais a partir de hoje no estado de São Paulo, cenário que se repete em outras partes do país. A disseminação do coronavírus atingiu patamares tão catastróficos que foi preciso inventar uma fase "extra", a emergencial, para tentar brecá-la. Foram necessários 28 dias nesse estágio para obter uma redução modesta nos índices paulistas: ocupação de 88% nas UTIs, média móvel de 684 mortes diárias (2.818 no Brasil) e 14.421 novas infecções (63.372 no Brasil). Ainda assim, há quem olhe para esses números, dramáticos para qualquer nação que se suponha civilizada, e seja capaz de pensar — ou melhor, de exigir em voz alta: "já passou da hora de os colégios reabrirem!"
Um passeio pelo instagram do Movimento Escolas Abertas pode levar um desavisado a acreditar que as escolas estão fechadas não em razão de um vírus que já matou 340 mil brasileiros, mas pela ação maléfica de sindicatos corporativistas, professores medrosos, prefeitos que infringem decretos estaduais e epidemiologistas insensíveis ao sofrimento infantil. Criada por pais e mães de escolas de elite, a mobilização começou a ganhar holofotes no início do ano, com a bandeira de "reabertura gradual das atividades escolares presenciais em todas as escolas", que para isso "devem se adequar os protocolos de higiene".
A fachada "técnica" durou pouco. Hoje, lideranças se derretem em elogios a Rossieli Soares, secretário da educação de São Paulo ou qualificam de "dia MEMORÁVEL" (o adjetivo e as maiúsculas são da postagem original) o "apoio incondicional" (idem) de Milton Ribeiro, titular do MEC. Enquanto aos aliados passa-se um felpudo pano, a entidade de DNA mezzo tucano-mezzo bolsonarista elege como alvos escolas que "desrespeitam a regra do estado e da ciência", gestores "inimigos da educação", pessoas que supostamente querem "bares abertos e escolas fechadas".
Em termos discursivos, pouca novidade: argumentos caricaturais e demonização da posição oposta. Previsivelmente, o resultado é o rebaixamento do debate. Primeiro porque se opõe a retomada a qualquer custo — posição do movimento — à ideia de "volta, só após a vacinação". Se esse foi de fato o argumento de sindicatos e movimentos sociais ligados à educação no início da pandemia, hoje não é a defesa hegemônica. Predomina a ideia, baseada no "conhecimento científico" que o Escolas Abertas arrogantemente diz representar, do retorno em condições aceitáveis de segurança, como as estipuladas pela Fiocruz.
Pois bem: no momento em que escrevo este texto, das sete condições defendidas pela entidade para a retomada das aulas presenciais (relativas por exemplo à taxa de contágio, taxa de ocupação de UTIs e número de novos casos por dia), o Brasil atingia um total de zero. Repetindo: zero. Como escrevem Andressa Pellanda e Marcelle Frossard, escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a abrir, desde que haja condições para isso. É preciso controlar minimamente a pandemia. Neste momento, comparações com outros países que mantiveram escolas abertas são impróprias porque a atual calamidade brasileira não encontra paralelo. E embora haja cálculos de baixa incidência do vírus em escolas - contas questionáveis, que em São Paulo incluíram alunos que não voltaram às aulas presenciais -, é preciso lembrar que escolas não são bolhas na sociedade. Pessoas se deslocam, muitas vezes em condições de risco de contágio, para chegar até elas.
Ainda assim, é importante reconhecer que a postura das entidades ditas "de esquerda" muitas vezes não ajuda. Ainda há resquícios de uma posição defensiva que considera qualquer proposta de reabertura como "contra a vida". É lamentável, também, que se lance mão de argumentação alarmista, como a de que as novas cepas do coronavírus seriam mais letais para crianças, algo não indicado nos registros epidemiológicos mais recentes.
O debate que importa - e para o qual o Escolas Abertas em nada contribui - é batalhar para que existam condições concretas para a reabertura. E, também, para que exista algum substituto minimamente adequado para os momentos em que isso não for possível. Enfrentar essas questões exige foco em situações concretas e não em um abstrato "abre" ou "fecha": vacina para todos os educadores e educadoras o mais rápido possível; gestão democrática para construir com a comunidade escolar as condições de retorno; infraestrutura adequada nas escolas, sobretudo em termos de ventilação natural; fortalecimento da conectividade para que o ensino remoto emergencial seja mais efetivo; auxílio para que os deslocamentos se dêem fora do transporte público; distribuição de máscaras mais protetivas (PFF2 ou N95) para os trabalhadores, sobretudo os que precisam tomar ônibus, metrô ou trem para chegar às escolas.
Com mais de um ano de pandemia, apesar da propaganda oficial, quase nada aconteceu nesse sentido, afora as exceções de praxe: ilhas de excelência nas redes públicas e escolas mais bem preparadas no setor privado (entre elas, não por acaso, as dos filhos das lideranças do Escolas Abertas). Há consenso a se buscar e muito trabalho a fazer para priorizar a escolarização durante a pandemia. O exemplo do Escolas Abertas mostra que, durante a crise do coronavírus, que não foram só os estudantes que não aprenderam.
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