Topo

Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que fugimos das notícias boas?

FilippoBacci/Getty Images/iStockphoto
Imagem: FilippoBacci/Getty Images/iStockphoto

Rodrigo Ratier

12/07/2021 06h00

A requisição é inusitada e, em tanto tempo de jornalismo — neste ano completo 23 anos de caminhada —, inédita: "queremos os seus textos com menor audiência". O pedido não veio desse jeito, mas pode ser lido assim. A direção de Ecoa, seção do Uol que abriga minha coluna, pediu que eu voltasse baterias para assuntos mais ligados à busca de soluções transformadoras, iniciativas inovadoras e experiências positivas. Pode ser na minha área de especialização, a educação, mas não só. O importante é pensar em pautas que dialoguem com a ideia de "por um mundo melhor", slogan da editoria.

"Normal. Fui contratado para escrever sobre esses temas", argumentei, para ser rapidamente desmentido pelos números. Neste ano, só 6 dos meus 26 textos tem esse caráter mais, digamos, solar. "São minhas produções menos lidas", insisti. "Tudo bem", foi a resposta. Na selva em que se tornou a internet, é preciso coragem para um veículo de mídia abrir mão de cliques e da publicidade que roda toda vez que alguém acessa a página.

A estranheza deu lugar à sensação de privilégio. É muito bom e raro não estar tão diretamente submetido à pressão por audiência. Em seguida, passei a examinar quais eram os "outros assuntos" que ocupavam tantos de meus textos. Vi que eles se resumiam a um só: Bolsonaro. Não houve censura no pedido da direção: posso continuar falando do presidente na editoria de Notícias sempre que julgar que tenho algo a acrescentar para o debate. As questões são outras: Quero? Deveria?

"Bad news is good news" [má notícia é boa notícia, traduzindo para o português] é um adágio conhecido no mundo do jornalismo. Notícia ruim é notícia que vende, e disso dão prova não apenas a infinidade de programas policiais na TV, mas a forma pelas quais figuras como Trump e Bolsonaro capturam o noticiário. Quanta energia física e intelectual gastamos para noticiar, repercutir, analisar e criticar tais figuras. É o caso de se perguntar a quem e a quê isso tem servido. Suspeito que, em parte, o resultado tenha sido apenas gerar mais sofrimento psíquico às pessoas já afetadas por seus governos.

Há mais. A pandemia evidenciou um outro comportamento na audiência, o fenômeno do "news avoidance" — evitamento de notícias, em tradução macarrônica. Pessoas vão à mídia tradicional e tudo o que veem são notícias sobre covid-19. Preferem, então, desligar-se dos relatos sobre o mundo real e empregar seu tempo de outra forma — alguém aí falou em scroll infinito nas redes sociais, o envolvimento em polêmicas desimportantes, o engajamento em campanhas de cancelamento e quetais?

As mesmas pessoas cansadas de desgraça apontam que gostariam de ver mais notícias positivas na mídia. Aí o discurso começa a colidir com a prática: um perdigoto de Bolsonaro tem mais alcance que uma linda e criativa história de solução de problemas em reais em uma comunidade. É a comunicação como espetáculo, que nos fisga pela prontidão para o embate, a atração pelo mórbido e pelo negativo, a fofoca e o mexerico. Pode haver exceções à regra, mas essa é a tendência: é preciso suar dez vezes mais a camisa para apostar no chamado "jornalismo de soluções" do que para fazer o trabalho de sempre, jogando na bola de segurança daquilo que costumeiramente se entende como noticiável.

Há atalhos fáceis, como os fatos curiosos inseridos para dar uma leveza aos telejornais ("nasce bebê foca no aquário da Flórida") ou a romantização das "histórias de superação", em que os problemas são resolvidos meio que magicamente, sem gerar identificação com quem lê. O desafio é de outra ordem: falar de soluções sem varrer para debaixo do tapete o que não dá certo — há dificuldades transponíveis e outras (ainda) não, o que não diminui em nada o valor de lutas individuais e coletivas por um mundo melhor. Também é preciso "combinar com os russos" — os leitores e as leitoras — de que esses temas importam, e que talvez tenham um impacto na vida prática muito mais virtuoso do que a leitura sobre a enésima irresponsabilidade do capitão. É um privilégio aprender a como fazer tudo isso.