Topo

Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Games e crianças: mais que limitar tempo, pais devem mediar uso

Criança jogando videogame - blackCAT/iStock
Criança jogando videogame Imagem: blackCAT/iStock

Rodrigo Ratier

25/10/2021 06h00

Quando o assunto é a relação entre crianças e jogos digitais, as reações costumam ser extremadas. De um lado, famílias extremamente liberais, que deixam livre o acesso a qualquer tipo de conteúdo por um tempo indefinido. De outro, pais ou responsáveis excessivamente controladores, que chegam ao ponto de vetar o uso dos games. Em um certo sentido, é o esperado. "As tecnologias digitais têm potencial para aumentar tanto os aspectos positivos como os negativos onde são aplicadas, e os jogos digitais são parte desta cultura", escreve Ivelise Fortim, professora da PUC-SP, na apresentação da cartilha "O que as famílias precisam saber sobre games?", disponível para download gratuito.

Para a psicóloga, especialista em jogos digitais, a polêmica também tem a ver com a relativa recência do formato. No passado, HQs, televisão e desenhos animados também foram classificados como "vilões" na formação de crianças e adolescentes. Conforme o debate foi avançando, a polêmica arrefeceu e muitos desses recursos acabaram sendo incorporados à própria educação formal. Assim também tem ocorrido com os jogos: "Muitos estudos relacionam o uso de jogos digitais com uma maior facilidade de aprendizado, o desenvolvimento de habilidades afetivas, cognitivas e motoras, e a facilitação da socialização, especialmente para indivíduos que têm algum tipo de dificuldade", diz a cartilha.

A questão recai no aumento da influência dos games sobre a vida dos jovens. Um tempo de tela cada vez maior faz esquentar o debate sobre dependência ou a suposta influência a comportamentos agressivos, sobretudo em jogos de tiro. Como agir?

"A questão vai além do binômio proibir ou liberar", diz Ivelise, que defende o recurso à mediação. Há duas possibilidades principais. A primeira, adotada pela maioria das famílias, é a mediação restritiva. Trata-se de limitar, por meio de filtros ou de controle do tempo, o tipo de conteúdo que pode ser acessado ou a quantidade de horas que se pode passar diante das telas. A segunda, chamada de mediação ativa, consiste em acompanhar o que as crianças estão fazendo para entender qual a melhor intervenção para cada caso.

"A mediação ativa não descarta a restritiva: é preciso estabelecer limitação para a atividade", afirma a psicóloga. A cartilha oferece um recorte por faixa etária e conteúdo. Até 2 anos, há contraindicação: os bebês precisam explorar o mundo. Dos 4 aos 7, o faz-de-conta ganha importância e o uso de games com tempo restrito e regrado pode aparecer, em jogos de identificação de formas, cores e sons, nos que imitam instrumentos musicais e nos interativos, como Subway Surfers e Toca Hair Saloon.

Para crianças de 7 a 10 anos, é a vez dos jogos que incentivam raciocínio, memória e socialização — Minecraft é um sucesso nessa faixa etária. Também aparecem jogos de competição como PES ou Fifa, que devem ser supervisionados com combinados claros de dias de uso e tempo de sessão, cuidando para que não atrapalhem o convívio familiar, atividades escolares ou ao ar livre. "A partir dos 8 ou 9 anos, pode aparecer o interesse por jogos de tiro. Cabe à família consultar a classificação indicativa dos jogos e compreender se a criança tem maturidade para lidar com aquele tipo de conteúdo", afirma a psicóloga.

É na adolescência, porém, que o monitoramento precisa ser ressignificado, buscando o equilíbrio entre dar liberdade demais ou ser intrusivo. "A mediação restritiva funciona bem com crianças menores, mas, conforme elas vão crescendo, o diálogo se faz mais importante e necessário", diz Ivelise. A ideia é acompanhar sem pressionar, pois a pressão muitas vezes tira o aspecto lúdico dos jogos. Ganha força a mediação ativa — instruir, questionar, estabelecer acordos para o uso. Tudo começa com o interesse em saber o que se passa naquele universo. "É preciso conversar com a criança e com o adolescente sobre o que está acontecendo ali no game, buscar entender o que ele ou ela está jogando e, principalmente, discutir as interações com outros jogadores", explica Ivelise. As ações vão variar conforme as relações peculiares entre pais e filhos e de acordo com os jogos de interesse, de modo que é impreciso falar em um "manual de instruções" para a mediação. De toda forma, a cartilha propõe algumas reflexões que podem ajudar a nortear essas conversas:

? O jogo permite que meu filho amplie suas potencialidades diante do que aprendeu ao jogar?
? Ao dialogar com meu filho sobre o jogo e sua narrativa entendo que está de acordo com os princípios éticos e morais que permeiam o nosso ambiente familiar?
? Meu filho é capaz de estabelecer crítica com relação ao conteúdo do jogo?
? Meu filho continua realizando outras atividades além de jogar? Mantém uma relação com seu grupo de colegas?
? A atividade de jogar consome consome tempo excessivo do meu filho, de modo que ele está negligenciando outras atividades como escola, refeições, momentos lúdicos e de convívio em família?
? A relação com a família e a escola está prejudicada?
? Meu filho tem estabelecido uma relação educada com outros jogadores? Tem consciência de que não pode falar qualquer coisa em jogos online, pois isto tem consequências?

Também é válido olhar para o próprio comportamento: como alertar uma criança ou jovem que passa muito tempo jogando quando nós não desgrudamos do celular? "A família precisa questionar seu próprio uso da tecnologia para que haja coerência entre discurso e prática", finaliza a psicóloga.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL