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Professores acusam rede chilena de retirar direitos sindicais em SP
Professores do quadro docente de escolas particulares adquiridas pelo grupo chileno Vitamina denunciam que a rede está atuando para retirar direitos sindicais. As mudanças incluem alterações no piso salarial, fim da cesta básica, da gratuidade para até dois filhos e do recesso de 30 dias. A coluna ouviu cinco professores de quatro escolas do grupo. Sob pedido de anonimato por temor de represálias, eles confirmam as ações, que classificam como "revoltantes, "antiéticas" e de "quebra de confiança".
Atuando no Brasil desde o final de 2019, o grupo tem adquirido instituições de educação infantil na capital paulista. Escolas como Jacarandá (Higienópolis), Mundo Melhor (Perdizes), Eco Bercário (Vila Andrade) e Espaço Singular (Vila Olímpia) fazem parte da rede."
As tentativas de mudança ocorrem em meio a uma disputa envolvendo as chamadas convenções sindicais, acordos periódicos realizados entre os representantes dos empregadores e dos empregados. Há duas convenções em jogo. Professores defendem a validade de uma delas — mais generosa, usada por mais níveis de ensino e por algumas das escolas adquiridas pelos chilenos. O grupo Vitamina, da outra — mais restrita, com menos direitos, celebrada com um sindicato que os professores dizem não representar a categoria.
Aprofundando a explicação: parte das escolas adquiridas pela rede chilena observava os termos da convenção sindical entre o sindicato patronal Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo) e o Sinpro (Sindicato dos Professores de São Paulo), dos professores. É esse acordo que estabelece as cláusulas econômicas e sociais que o grupo Vitamina ameaça tirar.
A rede chilena argumenta que o Sieeesp não é o representante sindical patronal "correto" das escolas exclusivas de educação infantil em São Paulo — caso das 37 instituições compradas pelo grupo. O Vitamina afirma que os donos de creches e pré-escolas devem ser filiados ao Simeei (Sindicato dos Estabelecimentos Mantenedores de Escolas de Educação Infantil de São Paulo).
O Simeei possui autorização do Ministério do Trabalho para atuar em cinco cidades — Guarulhos, Itaquaquecetuba, Santo André, São Bernardo do Campo e São Paulo —, mas não tem convenção com o Sinpro. Em vez disso, firmou entendimento com um outro sindicato, o Senalba (Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de São Paulo).
São os termos da convenção Semeei-Senalba, rejeitada pelos docentes por contemplar muito menos direitos (veja comparação abaixo), que o Vitamina entende como "aplicável", citando "diversas decisões judiciais do Tribunal do Trabalho da 2ª região".
Os sindicatos trocam chumbo. Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do patronal Sieeesp, diz que não reconhece o Semeei. "No estado todo, temos 11 mil escolas filiadas, incluindo Educação Infantil. O Semeei é um sindicato inoperante e com poucos associados." Eliomar Pereira, presidente do Semeei, afirma que o direito da entidade representar a educação infantil na cidade de São Paulo é "inquestionável". "Os professores não tinham nada e agora têm a proteção da convenção coletiva com o Senalba. Estabelecimento de educação infantil trabalha com recreação e cultura. Se tem professor chateado, é porque não conhece a lei. Caso o Sinpro tivesse realmente interesse em representar a educação infantil, viria negociar conosco", afirma.
O Senalba se manifestou por nota, dizendo que as convenções com o Semeei estão "regularmente registradas no órgão competente" e "cumprem a legislação pertinente". O Sinpro é bem mais incisivo. Silvia Barbara, 1ª secretária da entidade, afirma que o sindicato é o único representante dos professores, inclusive da educação infantil. "Isso consta inclusive da convenção coletiva. Quem dá aula é professor. O grupo Vitamina sabe disso, e agora quer usar uma convenção de entidade [Senalba] que não representa os docentes. É uma manobra contra o princípio constitucional da unicidade sindical, que impede que mais de um sindicato represente a mesma categoria num município". Silvia ainda diz que o Sinpro não negocia com o Semeei porque "a base de negociação é esse lixo assinado com o Senalba". "Se estenderem o acordo que temos com o Sieeesp, a gente assina."
No meio do fogo cruzado, estão os professores. Os docentes ouvidos pela coluna relatam clima de revolta e apreensão entre os colegas. "Não houve transparência. Ficamos sabendo da mudança do sindicato patronal por meio da mídia. Falta ética e consideração com a equipe", afirma Luís (nome fictício, como os demais da reportagem). "A troca de convenção foi feita à revelia", diz Simone. "Dois representantes do RH da empresa anunciaram que havia sido decidido em acordo coletivo que todas as escolas particulares de educação infantil da cidade de São Paulo seriam regidas pelo Senalba". Ana Clara conta que uma das promessas quando sua escola foi vendida era que nada mudaria. "E agora isso. Fomos apunhaladas."
As mudanças foram mal recebidas nas equipes de todos os entrevistados. Helena afirma que, após o anúncio oficial, a negociação vem sendo conduzida pela equipe gestora com cada professor de sua escola. "É uma tentativa de enfraquecer o coletivo", diz. Carla relata que o mesmo procedimento em sua instituição recebeu reação contrária dos docentes. "Combinamos que ninguém mais concordaria em ser chamado para conversas particulares". Noutra escola, Amélia aponta que os representantes do grupo se negam a enviar qualquer registro do que falam. "Inicialmente, disseram que passaríamos a ser chamadas de educadoras e não de professoras, tanto no holerite quanto na carteira de trabalho digital. Queriam mudar nossa categoria profissional para retirar direitos. Depois da pressão, voltaram atrás na troca de nomenclatura."
Por meio de um grupo de WhatsApp criado pelo Sinpro, professores de diversas escolas da rede trocam informações e descobrem que o tratamento está sendo diferente em cada unidade. "Em algumas, estão mantendo cláusulas da convenção como 'direito adquirido'. Em outras, nada", afirma Helena. "Na minha, por exemplo, não teremos o recesso de janeiro. Também perdemos o direito a multa caso sejamos demitidas durante o semestre letivo", diz Amélia.
As queixas não se restringem à troca de convenção sindical. A coluna apurou que nas escolas de pelo menos três entrevistados ocorrem reformas durante o ano letivo. "Não é pequena, é grande. Não pensam nas crianças, tem poeira e barulho o dia inteiro", relata Ana Clara. Há desconfiança também quanto a uma possível uniformização de projeto pedagógico — hoje, as propostas didáticas das escolas da rede variam enormemente — e a abertura de creches 24 horas, como ocorre em instituições do grupo no Chile. "Esse é o modelo de negócio deles, transformar as escolas em depósitos de crianças", diz Amélia.
Integrante da Comissão de Direito Trabalhista da OAB São Paulo, a advogada Adriana Jardim Supioni avalia que a convenção coletiva entre Sinpro e Sieeesp deveria ser respeitada até o fim da vigência — as cláusulas sociais são válidas até fevereiro de 2025.
"Aí poderia haver nova negociação. A tentativa de frustrar uma negociação que já foi firmada não é uma atitude condizente com o que o Código Civil nomeia de 'boa-fé objetiva', ou seja, a postura verificável por atos das partes no sentido de cumprir o que foi acordado". A advogada aponta, ainda, que o artigo 7º da Constituição veda alterações contratuais que piorem condições para o trabalhador. "Existe possibilidade de tanto o sindicato quanto os professores entrarem com ação pedindo o cumprimento da convenção que lhes era favorável", opina.
Em nota à coluna, o grupo Vitamina classifica as mudanças como "processo de ajuste" nas escolas compradas no Brasil. Reafirma o Semeei como representante das unidades adquiridas e que a convenção coletiva firmada com o Senalba não fere a CLT nem gera perda de direitos decorrentes pela contratação nessa modalidade. A empresa diz que oferecerá "um amplo plano de carreira, que inclui treinamento e oportunidades como incentivos variáveis". Sobre as reformas, afirma que "sempre que possível, as obras são realizadas após o horário de saída das crianças". E quanto às creches 24 horas, diz que "que no momento não identifica demanda no Brasil" por esse tipo de estabelecimento.
A pedido da empresa, a coluna disponibiliza a nota na íntegra. Acrescentamos, também, as perguntas originalmente enviadas à assessoria de imprensa. O Sinpro diz que o recurso à Justiça vai ser usado se as negociações não derem certo. "Tudo indica que eles [Vitamina] não estão nem um pouco dispostos a negociar. Entraremos com ações contra cada uma das escolas", diz Silvia.
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