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'Cultura de doação exige transparência', diz criador do Arredondar
A premissa simples — permitir que os centavos de troco em uma compra fossem direcionados para doação — escondia uma operação complexa. Era preciso considerar soluções para uma carga tributária confusa, treinamento de equipes, integração de sistemas de TI e contabilidade. Dez anos atrás, o economista e investidor Ari Weinfeld decidiu enfrentar essa corrida de obstáculos. "Fizemos pesquisas que mostravam que o brasileiro queria doar, mas tinha medo e não sabia como. Era preciso facilitar essa operação."
Nascia o Movimento Arredondar, uma ONG que arrecada fundos por meio do troco no varejo — no máximo, 99 centavos, a chamada microdoação. Os números da década são superlativos: presença em 1.500 lojas de marcas como Burger King e Pão de Açúcar e mais de 40 milhões de doações, totalizando 8 milhões de reais encaminhados para mais de 100 instituições. Para o empreendedor social, a expansão da cultura de doação passa pelo e-commerce, exige tecnologia, simplificação tributária e "não pode abrir mão da transparência". A seguir, os principais trechos da entrevista.
ECOA O que você aprendeu nesses dez anos de Arredondar?
Ari Weinfeld Aprendi que é possível mudar a cultura de doação. Não é que eu tive uma ideia maravilhosa. Me incomodava ver as ONGs todas fazendo fila para pedir dinheiro para as mesmas pessoas em eventos beneficentes. Pensei: "precisamos democratizar isso". Uma minha amiga me presenteou com um livro que falava justamente sobre outras maneiras de arrecadar dinheiro para ONGs. Estava lá "arredondamento dos centavos dos meios de pagamento". Fiquei curioso e resolvi ir para a Alemanha, onde essas experiências estavam acontecendo, para ver como é que era.
Como a ideia tomou forma?
Me juntei a dois dos maiores escritórios da área tributária do Brasil e a uma consultoria. Começamos a fazer um desenho de como a gente poderia reverter o troco no caixa do varejo para organizações sociais sem que incidissem todos os impostos. Você chegou na loja, sua compra deu R$ 127,30 e a atendente perguntaria se você gostaria de arredondar e doar R$ 0,70. Chegamos a uma proposta de isentar de impostos esses 70 centavos. Esse desenho tributário foi aprovado pelas Secretarias da Fazenda de 17 estados. É onde podemos operar.
Houve resistência do varejo?
A preocupação era a seguinte: se o empresário tiver que colocar algum dinheiro nessa operação ou se a fila do caixa dele parasse, ele não iria fazer. Ficamos 3, 4 anos, fazendo um manual que englobasse tudo - TI, contabilidade, treinamento de equipe -, para que o varejista recebesse tudo mastigadinho.
Por que, entre todas as modalidades disponíveis, você optou pela microdoação?
Fizemos pesquisas que mostravam que o brasileiro queria doar, mas tinha medo e não sabia como. Era preciso facilitar essa operação. Acho que nós conseguimos dar essa tranquilidade de um sistema com todos os controles, tecnologia e transparência. No site, o doador consegue saber para quem ele doou. São mais de 100 ONGs cadastradas, fiscalizadas e auditadas.
A pandemia mostrou a força das vendas em canais digitais. O Arredondar está no e-commerce?
No e-commerce todos mundo luta para ter um botão a menos. Aí vem o Arredondar encher o saco botando uma coisa a mais [risos]. É complicado romper essa barreira. Temos de ter uma plataforma para não ter um botão extra. Por exemplo, se o cliente sempre compra o mesmo produto, uma vez ele vai receber um documento perguntando se ele aceita arredondar todas as suas faturas até o final do ano.
Você costuma dizer que o Arredondar se apoia no tripé tecnologia, transparência e tributação. Precisamos avançar nessa terceira "perna" no Brasil?
Sim, e não apenas para o Arredondar. A gente está há muito tempo tentando mudar principalmente a lei do ITCMD [Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação]. E não é só isso. Tem estados em que, se você doou dois centavos, precisa recolher o DARF [Documento de Arrecadação de Receitas Federais] no mesmo dia. Quem é que vai fazer isso? Precisa haver mais incentivo para as doações.
Ainda assim, você é otimista quanto ao futuro da cultura de doação no Brasil?
Sim. Há incremento de doações em várias camadas sociais, por meio de vários processos. Os brasileiros sempre estiveram abertos a doar. Basta ver o sucesso das campanhas de apoio em casos de tragédias, por exemplo. Com a tecnologia, a facilidade aumentou. Mas insisto que não se pode abrir mão da transparência. Saber para onde vai o dinheiro, saber o que que a ONG vai fazer com o dinheiro, é fundamental para o brasileiro continuar doando.
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