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Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

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Convicção é essencial para reduzir ansiedade com fim de máscaras na escola

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Imagem: iStock

21/03/2022 06h00

A decisão do governo de São Paulo de flexibilizar o uso de máscaras também em ambientes fechados já está mudando a rotina das escolas, a exemplo do que ocorre em outros três estados e no Distrito Federal. A medida não vem sem uma dose de polêmica: epidemiologistas classificam a não obrigatoriedade como "precoce", e instituições de ensino dizem esperar o fim do mês para uma alteração definitiva.

"Para as escolas que optam pela flexibilização imediata, recomenda-se atenção com os níveis de ansiedade de alunos e professores", afirma Gustavo Estanislau, psiquiatra e especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS). Organizador do Pequeno Manual de Saúde Mental para a Volta às Aulas, do Instituto Ame Sua Mente, o especialista explica que o desconforto é esperado depois de dois anos sob o temor da contaminação. Para ele, o fundamental, caso a instituição realmente decida abolir a obrigatoriedade, é uma comunicação convicta para estudantes e familiares.

"É papel da equipe escolar produzir informação consistente para deixar a comunidade segura de que é o momento certo para que isso [a retirada] aconteça", diz. Nesse sentido, importam tanto os registros formais (circulares, avisos via agenda, site ou aplicativo) quanto a postura dos próprios educadores. "Para crianças e adolescentes, a postura do adulto é importante para construir credibilidade. Olhar e falas seguras ajudam porque muitas vezes o professor acaba funcionando como modelo de equilíbrio."

Na opinião do psiquiatra, a tendência é que esse momento de transição ocorra sem grandes percalços para a maioria dos estudantes. O foco deve estar na parcela que vem demonstrando problemas de adaptação. Estanislau aponta que alguns estudantes e professores podem apresentar um quadro de estresse crônico, ainda como efeito das restrições impostas pela covid-19. "São estados de alerta que se estendem. Eles sinalizam que, mesmo com um eventual fim da pandemia, muitos de nós ainda vamos passar por períodos complicados de saúde mental."

Uma dúvida comum é saber quando abordar o assunto. No contexto escolar, a pandemia desaguou numa situação complexa: algumas crianças e jovens não podem nem ouvir falar da doença, enquanto outras precisam conversar sobre o tema. Para Estanislau, um bom indício são os comentários espontâneos sobre o tema, tanto na sala de aula como fora dela. "Isso pode servir de termômetro para uma ação guiada pelo professor. Informações sobre higiene e saúde mental são sempre úteis para o debate. Mas espere o assunto surgir. Conversar compulsoriamente e com frequência sobre o tema pode gerar mais ansiedade."

A maioria dos casos vai exigir uma abordagem de saúde mental que o especialista classifica como de baixa e baixíssima complexidade. "São camadas em que um profissional da área não é imprescindível. Um professor bem qualificado pode dar recomendações sobre hidratação, respiração para o relaxamento e exercício físico. Tudo isso pode fazer muita diferença", afirma. Ajuda e muito se essa lista de atividades for praticada num contexto de bom clima escolar. A rotina de estudos é outra aliada. "Os educadores podem sempre direcionar a criança excessivamente preocupada ou ansiosa para as tarefas do dia a dia, auxiliando na mudança de foco", completa.

As ocorrências mais graves podem ser de dois tipos: pessoas que já estavam em tratamento antes da pandemia — para muitas, o problema se intensificou — e pessoas em risco, que segundo o especialista "ficam entre a zona de problema de saúde mental e a de transtorno diagnosticado". Nesses casos, o que a escola precisa fazer é sinalizar a necessidade de encaminhamento - e fazê-lo, a partir da discussão de cenários com a família. "A identificação de transtornos mentais é um processo supercomplexo. A escola não deve fazer intervenção direta com a criança sem o suporte de um especialista."

Em todos os casos, porém, uma postura a se evitar é o discurso ligeiro da autoajuda — o hábito nada inofensivo de tentar encorajar alguém ansioso ou deprimido com frases como "você tem de ser forte", "a vida é boa", "há muito para se aproveitar". "Esse tipo de comentário parte do princípio de que a saúde mental é regulada pela força de vontade, o que é incorreto. Um pouco de esforço pode contribuir para ficar em uma zona de saúde, mas uma boa parte fica fora do nosso controle - fatores neurobiológicos, por exemplo. O discurso motivacional para alguém que está num estado de depressão pode ser pernicioso. Tende a gerar desesperança mais do que fortalecimento. Melhor seria empatizar com a situação e dizer algo do tipo: ‘Vamos juntos buscar ajuda’", finaliza.