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Como as cotas em universidades ajudam também a educação básica
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Exatamente hoje, 29 de agosto, a Lei de Cotas completa 10 anos com um legado de intensas transformações no ensino superior. Ao longo dos anos 1990, alunos pretos, pardos e indígenas representavam em torno de 15% do total de estudantes em universidades. Em 2019, a proporção saltou para 31%. Houve ainda mudanças no perfil socioeconômico - os 20% mais pobres da população passam de 1,1% para 6% entre 1992 e 2019 - e na porcentagem de egressos da escola pública - que vão de 55% para 64% a partir da aprovação da Lei. Os dados são da tese de doutorado de Adriano Senkevics, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
As conquistas não se esgotam no acesso à faculdade. "Avançamos muito na compreensão das desigualdades educacionais que ainda persistem", afirma a antropóloga Alessandra Tavares, coordenadora e formadora de professores na Comunidade Educativa Cedac. "A Lei de Cotas foi um dos fatores que estimulou a produção de mais estudos e indicadores. Ficamos sabendo, por exemplo, que em 2020, 71,7% dos jovens que abandonaram a escola eram negros. Antes, não tínhamos essa clareza."
Alessandra defende que a produção de indicadores ajuda a trazer a questão racial para a educação básica. Constrói-se um outro olhar sobre raça, em que os números ajudam a mostrar que existe, sim, racismo. "Há hoje uma percepção disseminada de que a discriminação racial impacta na vida das pessoas". Isso, por sua vez, exige das escolas que revejam a composição racial da equipe docente e de alunos. Não apenas a diversidade é fundamental, mas também que pretos e pardos estejam em posição de liderança. "A pauta da educação antirracista que veio para ficar", afirma.
O aumento no número de diplomados negros têm força ainda mais evidente, com efeito direto na representatividade. "Crianças e jovens pretos e pardos não se veem apenas com uma bola de futebol no pé. As políticas de ação afirmativa têm sido fundamentais para ampliar a possibilidades de sonhos. Estudantes negros podem incluir o ensino superior como projeto de vida", diz.
O ponto também foi reforçado pelo economista Marcelo Paixão, professor da Universidade do Texas, para quem o grande impacto da Lei de Cotas foi "civilizatório". "Ser atendido por um médico negro, bem como dar entrevista para um jornalista negro, vai muito além de se a distribuição de renda aumentou ou diminuiu. Ela diz respeito a uma dimensão estrutural imaterial", afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo.
Avanços ainda insuficientes
Apesar das conquistas, Alessandra alerta para o risco de que se naturalize a presença do atual contingente de pretos e pardos em universidades como "suficiente". Não é, porque os números ainda estão longe de chegar à participação relativa de negros no conjunto da população (em torno de 56%, segundo o IBGE). "Não houve uma entrada massiva de pretos e pardos. As ações afirmativas vão promovendo aos poucos a transformação. Ainda não superamos as desigualdades", afirma.
A observação dialoga com um achado importante da tese de doutorado de Senkevics. Observando que os indicadores socioeconômicos e de composição racial se encontram estagnados desde 2015, o pesquisador do INEP vê certo esgotamento da democratização do acesso ao ensino superior. É preciso o desenho de novas políticas e o reforço de outras que foram desmontadas - como as ações voltadas à permanência dos estudantes. Em um contexto de escassez de auxílio para alimentação, transporte e moradia, são os mais vulneráveis que tem maior probabilidade de abandonar os estudos.
Alessandra defende, ainda, a ampliação do escopo das cotas. Para a antropóloga, a revisão da Lei deve prever reserva de vagas também entre gestores e corpo docente das universidades. "Temos muito para avançar para que as políticas de ações afirmativas possam deixar de existir", afirma, com a ressalva de que o cenário não é propício para tentar alterações na legislação. "No contexto político atual, é mais prudente propor continuidade. Não temos condições políticas positivas para revisar com um viés de melhora", finaliza.
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