Topo

Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que os bolsonaristas vivem em constante estado de pânico?

Cartaz no ato bolsonarista em 7 de setembro, em São Paulo, pede que Bolsonaro "acione as Forças Armadas" - André Porto/UOL
Cartaz no ato bolsonarista em 7 de setembro, em São Paulo, pede que Bolsonaro "acione as Forças Armadas" Imagem: André Porto/UOL

Colunista do UOL

12/09/2022 06h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Sim, é complicado constatar que um a cada três brasileiros, pelas estimativas mais conservadoras, apoia ativamente um movimento organizado em torno de uma figura insensível, ignorante, vulgar, machista, egoísta, homofóbica, preguiçosa e sem a mais remota ideia do que está fazendo no cargo em que ocupa (não se espante com a lista de adjetivos: há pencas de evidências corroborativas para cada um deles).

Um sintoma de que esse mal-estar já está precificado é a naturalização das insanidades do último 7 de Setembro: "Olha, a moça ali defendendo fechamento do STF", "o senhorzinho quer intervenção militar com Bolsonaro", "o rapaz acha que as escolas ensinam a fazer sexo aos 6 anos". Assistimos a tudo isso como se fosse um shopping center de delírios exóticos, o que é um equívoco: é assim que pensam, é preciso repetir, pelo menos um a cada três concidadãos.

Um pouco antes das eleições de 2018, conversava com um universitário, articulado e inteligente, numa festa de família no interior de Minas Gerais. Me lembro do espanto ao ouvi-lo dizer que seu voto seria em Bolsonaro. Um jovem em tese razoável, bem informado, vai apostar no mais infame entre os 513 deputados federais da legislatura? Comentei com minha companheira: Será que essa turma não sabe quem é esse cara?

Hoje está claro que sabiam, e que concordavam. Parte relevante segue avalizando a bizarria em curso. Mesmo tendo de passar um pano tamanho lona de circo para justificar todo o desgoverno em que o Brasil se enfiou, continuam firme na defesa do capitão e de suas incivilidades. É de se perguntar se essas pessoas sempre foram assim ou vieram se degradando. Acredito na segunda opção: o que a princípio era - ou fingia ser - um movimento anticorrupção degenerou na celebração da ereção - ou que finge ser - de um presidente que só tem olhos para o próprio falo. Literalmente, como demonstrou, sem filtros, o autocoro de "imbrochável".

Há um outro aspecto que me intriga. Desde 2018, tenho acompanhado grupos públicos bolsonaristas no WhatsApp. É um trabalho desafiador para a saúde mental e física. O conteúdo, que redunda nos adjetivos do 1º parágrafo, não é tanto o problema. Se conseguirmos tratá-lo como objeto de estudo, estabelecemos uma distância mais ou menos segura de sua toxicidade. A forma é que espanta. O bombardeio é incessante - alguns grupos chegam a 1.400 mensagens diárias, algo impossível de acompanhar -, assim como a mobilização de afetos. Ser bolsonarista é viver em estado de pânico contínuo.

O script é quase invariável. Começa com a definição de inimigos - cada vez mais numerosos - e com a descrição em tons alarmistas - "cuidado!", "eles estão de volta"", "toda a verdade sobre..." - de suas supostas ameaças. Reiteradas vezes e sobre tudo: "ideologia" de gênero, comunismo, venezuelização do Brasil, assalto aos cofres públicos, ameaças à liberdade, cristofobia. O combate a esse e a outros espantalhos, construídos para tirar o sono do brasileiro de bem, culminam em um chamado à ação: "fique de olho!", "é preciso estar atento", "vamos ficar ao lado do nosso capitão".

Tudo isso em nome de quê? Os acenos são para valores vagos, pretensamente virtuosos: "família" (qual?), "pátria" (de quem?), "liberdade" (para quem?). São também decepcionantes os sonhos. Não há utopia a construir, apenas o aceno pálido a um passado de ordem e progresso que, na verdade, nunca existiu. Não se vislumbra a melhora coletiva, somente que a bile do ressentimento seja capaz de arrastar os outros para o mesmo estado de insatisfação em que se encontram.

Há um quê de leitura religiosa do tipo "o mundo jaz no maligno" - o "sistema" é mau, nada que venha do mundano presta. Com uma diferença essencial: a leitura bolsonarista da salvação, ao contrário da interpretação bíblica mais comum, não supõe o recolhimento para a cura em Jesus, mas a eliminação dos "impuros". Na retórica troglodita do capitão, não há espaço para metáforas. Como sempre, é tudo literal: "fuzilar a petralhada", "acabar com os ativismos", mandar opositores "para a ponta da praia", "extirpar" a esquerda.

Não precisa recorrer ao Zap para compreender esse funcionamento. Trata-se, afinal, do modo de operação de todo o discurso em torno de capitão e de seu ecossistema midiático. Faça um teste ouvindo a Jovem Pan: que tal seu estado de espírito depois de meia hora de debates entre bolsonaristas e mais bolsonaristas ainda? Operar na chave da mobilização do pânico é um contrassenso para um movimento que se pretende de longo prazo. Quem já sofreu de um ataque de pânico sabe, a duras penas, que a intensidade do episódio pode ser imensa. Mas que passa, em um tempo relativamente breve, deixando marcas profundas. Ninguém aguentaria estar perpetuamente assim.

Como os bolsonaristas toleram viver em agitação emocional constante é algo que me escapa. Não espanta a quantidade de relatos de pessoas dormindo mal, enraivecidas, arranjando briga à toa por aí. É um ecossistema destruitivo em forma e conteúdo. Se por um lado não sinto empatia alguma por pessoas que talvez preferissem que eu desaparecesse - como jornalista e professor, preencho alguns quadradinhos do checklist de inimigos do capitão e seus apoiadores -, por outro me compadeço porque não é nada fácil viver em estado de alerta permanente. Por um caminho ou por outro, a conclusão é a mesma: Deus me livre de ser bolsonarista.