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Doméstica eleita em SP tem história igual à de 'Que horas ela volta?'
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Uma pernambucana deixa o estado natal e se muda para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Passa a trabalhar como doméstica e, alguns anos depois, assiste à filha e ao filho da patroa disputarem uma cobiçada vaga no ensino público. Enredo do premiado Que Horas ela Volta? (2015), drama dirigido por Anna Muylaert - e também uma história real da vida de Ediane Maria. Liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Ediane, 38, foi a primeira empregada doméstica eleita deputada estadual em São Paulo, com 175 mil votos pelo PSOL.
Ediane fala da própria vida com voz trêmula e olhos úmidos, secos, com movimentos ligeiros dos indicadores nas pálpebras inferiores. "Me emociono de revolta. Choro porque quem sofre a violência e o subemprego são as mulheres negras. Não posso aceitar que nosso destino seja esse". A eleição rendeu atenção da mídia e um princípio de estafa. No fim da semana passada, uma tosse seca persistente e a pressão a 17 por 8 obrigaram uma parada forçada. "Só me faltava essa, agora que eu ganhei a eleição, vou morrer", brinca. A pausa durou apenas dois dias. Na sexta-feira (14), entre uma reunião na sede do MTST e uma panfletagem com Guilherme Boulos no terminal João Dias, Ediane concedeu o seguinte depoimento à coluna:
"Sou a sétima de oito irmãos. Fui criada por pais semianalfabetos em Floresta (PE). Meu pai era feirante e minha mãe, doméstica e babá. Vim para São Paulo em 2002, meu último ano de magistério. Eu queria ser professora, terminar o curso, arranjar um emprego e voltar para o sertão no fim do ano dizendo que estava tudo bem. Mas desci do ônibus da Itapemirim direto para o carro da minha patroa. Minha mãe foi babá da minha patroa e eu vim para ser babá da filha dela.
Passei duas vezes pelo quarto de empregada. Importante falar dele porque é o último cômodo da senzala. O episódio que lembra o filme aconteceu bem depois, em 2015. Eu já era diarista, limpava uma casa em Santo André [região metropolitana de São Paulo] 3 vezes por semana. Nunca cheguei a ganhar nem salário mínimo. Mas eu achava que a patroa era muito minha amiga, ela dizia isso.
Ela era 10 anos mais velha do que eu e a gente falava sobre tudo. Eu chegava 7h da manhã e tinha dias que começava a trabalhar só às 11h. Eu era uma espécie de psicóloga. A relação começou a mudar quando ela precisou tirar o filho da escola particular por conta da crise. Eu estava lavando o banheiro quando a ouvi falar no telefone com uma amiga: 'vamos colocar nossos filhos na Etec [Escola Técnica Estadual]. O ensino é bom e é de graça'.
Fiquei furiosa, porque minha filha tinha a mesma idade do filho dela. Pensei: 'por que ela não falou da Etec para mim? A Tâmara é uma ótima aluna, também merece ter oportunidade'. Na mesma hora, passei a mão no telefone e liguei para a minha filha: 'pesquisa aí a tal de Etec'.
A Tâmara disse que a inscrição era cara, 70 reais. Eu falei que dava um jeito. Ela foi para a prova e voltou frustrada: 'Mãe, parecia que eu estava cega, não sabia nada'. Era a melhor aluna da escola do estado, estudava em período integral, elogiada pelos professores? Choramos juntas na porta da Etec Júlio de Mesquita quando não encontramos o nome dela na lista de aprovados.
Ela decidiu tentar de novo e a turma da escola ajudou muito. Vários professores se dispuseram a ficar com ela 30, 40 minutos depois da aula, voluntariamente. No semestre seguinte, ela passou no técnico em meio ambiente. Estudava o Médio no integral e à noite ia para a Etec. Saía de casa 7h da manhã e voltava meia-noite. Hoje, está em Pernambuco estudando Engenharia de Pesca na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Não sei se o filho da patroa conseguiu entrar na escola técnica nem na universidade pública.
Eu também voltei para a escola. O Ensino Médio, que eu queria ter concluído em 2002, só fui terminar em 2015, quando já era mãe de quatro filhos. Eu fazia faxina e trabalhava na linha de montagem de uma fábrica de fraldas à noite. Para a minha patroa, recomeçar a estudar já era demais: 'Isso não vai te servir de nada, você ganha mais aqui'. A relação foi se desgastando. Tinha sido difícil fazer com que ela me registrasse - com a PEC das domésticas [Emenda Constitucional 72], eu exigi. Também recusei ir para a Paulista com ela bater panela contra a Dilma. Eu não sabia nada do que a gente estava vivendo naquele momento, não tinha a dimensão do Golpe, mas entendi que conquistei direitos naquele governo.
Em seguida, veio o envolvimento com o MTST. Ela dizia que era 'coisa do PT', tinha medo que invadissem os terrenos do pai em Ribeirão Pires. O MTST me ensinou a ter uma identidade, a brigar pelo meu direito à cidade, a entender que não é normal morar no pico do morro sem acesso a nada.
Quando assisti a 'Que horas ela volta?', me senti na pele tanto da Val [a mãe, papel de Regina Casé] quanto da Jéssica [a filha, interpretada por Camila Márdila]. A Val vem de Pernambuco para dar uma vida melhor para a filha, tem medo do conflito e abaixa a cabeça para a patroa. A Jéssica, como eu, é uma jovem 'pra frente', contestadora, que enfrenta. Quando cheguei em São Paulo, eu era Jéssica, mas em algum momento da minha vida, virei Val. Agora, voltei a ser a Ediane. Minha mãe foi doméstica, eu fui doméstica. Minha filha rompeu o ciclo, e agora eu rompi também."
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