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Na educação, barco da transição de Lula deriva para a direita empresarial
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Quão "ampla" pode ser uma frente, quais acordos são possíveis costurar, quais antagonismos são inconciliáveis e, nesses casos, que interesses acabam prevalecendo? Passada a eleição, a larga concertação que habilitou Lula para um terceiro mandato começa a enfrentar esses dilemas. Se a equipe de transição é o palco mais evidente, as disputas nos 31 grupos técnicos (GT) que debatem temas específicos - de cultura a economia, de saúde a igualdade racial - também trazem pistas interessantes. No microcosmo da educação, por exemplo, os primeiros sinais são de que o barco vai para a direita.
A coluna confirmou a maior parte da lista vazada por Fernando Cássio, professor da UFABC. Em um campo polarizado e marcado por uma multiplicidade de atores, a composição do GT é desigual. Além de nomes de confiança de Fernando Haddad, coordenador do grupo, predominam indicações de institutos e fundações empresariais. O setor público está subrepresentado; movimentos sociais e entidades docentes e de trabalhadores, virtualmente ausentes.
Três players - Itaú/Unibanco, Natura e o empresário Jorge Paulo Lemann, segundo homem mais rico do Brasil - financiam no todo ou em parte instituições que emplacaram 18 dos 46 nomes divulgados. Algumas, como Fundação Lemann, Todos Pela Educação e a minúscula Profissão Docente, possuem mais de um representante no GT. Outros consultores e professores do núcleo já tiveram vinculação com as mesmas entidades. Entre as instituições de ensino superior, a FGV abocanhou sozinha 7 vagas. De outro lado, o conjunto de 108 universidades e institutos federais ficou com apenas 3 postos.
No campo à esquerda, espaço para entidades como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). E a "turma do Haddad", que optou por chamar parlamentares, ex-secretários e antigos colegas de seus tempos de MEC. Há notáveis ausências, como as organizações sindicais (o esquecimento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação é inexplicável), associações profissionais (como a Anfope, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da educação), entidades estudantis (UNE e Ubes), organizações de pesquisa (a exemplo da Anped, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), além de entidades e movimentos sociais com largo histórico na educação.
Começa mal uma transição com baixa diversidade racial, escassa representação de classes populares e presença esquálida de representantes do setor público.O predomínio de institutos e fundações empresariais remete ao governo Michel Temer (2016-2018) e à imiscuidade com o golpismo. No exemplo do varejo, Mendonça Filho, ex-ministro da educação, recebeu como mimo de fim de mandato o cargo de consultor na Fundação Lemann. Na visão do atacado, as duas políticas mais robustas do período, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a reforma do Ensino Médio, foram defendidas e não raro gestadas nos escritórios de institutos e fundações, de costas para alunos e professores. O caráter antidemocrático da construção dos dois documentos explica em parte a implementação claudicante.
Não se deve cair no automatismo de que fundações e institutos empresariais representem, necessariamente, os interesses do grande capital. Há nessas entidades gente com biografia qualificada e pontos de vista consistentes sobre educação como política pública. É inegável, porém, que o espaço para o dissenso na maioria dessas organizações é reduzido. Falo com algum conhecimento de causa porque já trabalhei em duas fundações empresariais.
Na transição, a tendência é que esse grupo crie uma espécie de cordão sanitário em defesa da BNCC e da reforma do Ensino Médio. Não custa lembrar duas coisas. Primeiro, que a gestão Temer foi golpeada nas urnas. Em 2018, Henrique Meirelles (MDB), candidato da situação, obteve raquíticos 1,2% do total de votos. Em 2022, Simone Tebet (MDB) se saiu melhor, com 4,2% dos votos válidos. Segundo, que boa parte das entidades que hoje buscam dominar o debate lavaram as mãos na eleição de Bolsonaro em 2018. Uma escolha muito difícil.
Não se trata, é claro, de dinamitar a ideia de frente ampla. No grupo técnico de educação há alguns consensos. Bizarrices como homeschooling, militarização das escolas e perseguição ideológica a professores, bandeiras caras à atual gestão, serão felizmente pulverizadas de 1º de janeiro em diante. Desenha-se, ainda, prioridade ao Plano Nacional de Educação (PNE), norte das ações públicas que começou a ser enterrada no governo Temer e foi sepultada sob Bolsonaro. Ressuscitá-lo será um alento.
O resto - e haja resto: da revogação das reformas e do teto de gastos à gestão democrática, das políticas de acesso e permanência ao custeio da rede federal, do sistema nacional de educação às políticas para a diversidade - está aberto para debate. Excluída a extrema-direita antidemocrática, sem repertório ou postura para participar de debates civilizados, há ainda uma vasta constelação da esquerda à direita que não raro se entrincheira em lados opostos.
Tudo começa com a construção de uma mesa de negociação equilibrada - o que NÃO significa uma falsa equivalência de interesses. A baliza é o voto: tem de valer o veredito das urnas, que avalizaram o projeto petista. Lula se elegeu com suas próprias forças auxiliadas pelo apoio antibolsonarista, e não o contrário. O novo governo precisa respaldar essa vontade popular, sob pena de repetir Dilma 2, que viu sua base de esquerda evaporar após a nomeação de uma equipe de centro-direita 48 horas depois da abertura das urnas.
E aí é debater. Achou que frente ampla era paz e amor? Achou errado. O momento exige fazer política no sentido mais generoso possível, avançando na construção de consensos e alianças, estabelecendo disputas arbitráveis quando isso não for possível. O desafio é um quebra pau em que ninguém solta a mão de ninguém. Juízo e boa sorte aos envolvidos.
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