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Nos EUA, igreja dentro de bar tem oração, banda country e menu de drinques
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Faltam cinco minutos para as 11h e Angie Duncan está em um bar. A senhora vai direto ao caixa e pede dois bloody mary. O barman é ágil e em menos de um minuto o drinque de vodca, suco de tomate, tabasco e condimentos está pronto para o consumo.
A senhora de cabelos grisalhos agradece, caminha uma dúzia de passos e entrega os copos de plástico a duas amigas da mesma faixa etária. As três estão na igreja.
O site oficial diz: "Sim, temos uma igreja... em um bar!". Não é uma igreja qualquer e não é qualquer bar. O Flora-Bama é um complexo de entretenimento erguido em 1962 e ampliado em sucessivas reformas.
Como o nome sugere, o terreno do bar se estende por dois estados americanos, a Flórida e o Alabama. (Na verdade, só uma casquinha da propriedade fica no Alabama, mas vale pelo folclore).
Estamos na zona costeira do Bible Belt (em português, "Cinturão da Bíblia"), expressão que agrupa os estados conservadores do sul dos Estados Unidos.
Com cerveja, música country e público redneck - americanos brancos da zona rural, geralmente religiosos e eleitores do partido republicano -, o Flora-Bama foi crescendo até se tornar, segundo a autodefinição dos proprietários, o maior bar de praia do país.
O calendário de eventos inclui megashows na areia, rodeios à beira-mar e o Campeonato Interestadual de Arremesso de Peixe. O nome é autoexplicativo e a espécie escolhida para os lançamentos aéreos é a tainha.
Os cultos começaram cerca de 10 anos atrás. Criada a partir de uma costela da igreja metodista da cidade vizinha de Pensacola, na Flórida, a igreja do Flora-Bama hoje se define como cristã não-denominacional. Isso significa independência de congregações e outras estruturas hierárquicas das religiões.
Também representa mais liberdade para receber fiéis de outras igrejas evangélicas e "pessoas em qualquer momento de sua jornada de vida", como explica Richard Sullivan, líder da banda country e um dos pioneiros da missão missionária na casa de shows.
"Nosso primeiro pastor dizia o seguinte: 'não me importa se você chegou aqui de carro, à pé, rastejando ou se acordou no bar. São todos bem-vindos'".
No domingo (5), cerca de 400 pessoas ocupavam todas as cadeiras do "templo", uma tenda anexa ao salão principal do bar. Até onde a vista alcançava, não havia nenhum negro.
A imensa maioria era de idosos brancos, nem todos residentes permanentes. Entre dezembro e março, numerosos grupos de aposentados migram para a Flórida para fugir do inverno rigoroso de outras partes do país.
São os chamados snowbirds (em tradução livre, "pássaros da neve"), que acabam fazendo do Flora-Bama sua igreja durante uma parte do ano. "Algo entre 30% e 40% dos fiéis não são daqui", diz Richard.
"Por que venho rezar no Flora-Bama? Gosto do ambiente casual", diz Angie Duncan, a senhora dos blood marys. "E como a igreja não paga aluguel ao bar, eles patrocinam muitas ações de caridade na região".
Ao som dos primeiros acordes do louvor country que inicia o culto, ela e suas amigas se acomodam no fundo da igreja, junto a uma parede de madeira com néons de algumas cervejas do menu: Corona, Coors Light, Yuengling, Guinness.
Na categoria destilados, as opções giram em torno de variações locais para a piña colada e daquiri. O barman apresenta à reportagem o bushwacker, uma espécie de milk shake para adultos, feito de rum, sorvete de cacau e de coco. Recebo um minicopo com canudinho para experimentar. Não é mal.
O culto em si dura cerca de uma hora. Depois do início musical, o pastor John Mcintosh convida as pessoas para um high five - é o tempo de cumprimentar os vizinhos de cadeira.
Aos 36 anos, John tem pinta de surfista e histórico de atleta. Coordenador do centro esportivo da cidade de Orange Beach, assumiu o púlpito do Flora-Bama há apenas dois meses.
"Adoro aqui. Não sei se vou conseguir voltar para uma igreja normal", ele diz ao microfone. O público aplaude.
A proximidade do dia dos namorados - os americanos comemoram a data em 14 de fevereiro - serve de gancho para abordar a complexidade dos relacionamentos.
É o tema do sermão, que começa com uma parábola pessoal e contemporânea. "Nos tempos de faculdade", diz o pastor, "dividi casa com pessoas muito diferentes de mim". "Um era vegetariano, Deus que o ajude, outro era o típico militar do Sul, que sabia arrumar a cama e limpar uma arma como ninguém". "Amém a isso!", responde um dos fiéis.
A leitura de um trecho dos Atos dos Apóstolos alude à importância da tolerância e da partilha nas relações. Também faz defesa do batismo, que na igreja do Flora-Bama ocorre nas águas esverdeadas da praia - o bar é pé na areia.
"Acho que já batizamos mais de 500 pessoas", explica Richard, o frontman da banda sem nome que faz a trilha country-gospel do culto. Guitarrista e cantor, o diretor do setor de terapia ocupacional de um hospital local toca desde os 12 anos.
Na juventude, chegou a ser recrutado para um grupo que se apresentava em bares como o Flora-Bama. O pai, um sulista rígido já falecido, ameaçou-lhe partir a cabeça ao meio com o violão caso ele aceitasse o convite. "Bom, eis-me aqui tocando num bar há 7 anos. Minha mãe acha que meu velho aprovaria", diz ele.
Quando a última música se encerra, Angie e suas amigas saem sem ouvir os recados finais do pastor. Ele lembra que o folheto com o texto bíblico e as letras das quatro músicas fica disponível online para quem quiser se preparar.
Também agradece a audiência do caprichado streaming ao vivo, que inclui letras das músicas e, à moda dos telejornais, uma atualização com as breaking news da igreja.
O próximo culto é no dia 12, e John Mcintosh quer estar preparado para a concorrência da data. "É dia de Superbowl. Podem vir com os uniformes dos seus times preferidos."
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