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Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

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'Falei que seria astronauta e ele riu': Machismo afasta meninas das exatas

Menina fazendo conta - iStock
Menina fazendo conta Imagem: iStock

Colunista do UOL

22/02/2023 06h00

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"Falei para o meu pai que queria ser astronauta e ele riu. Disse que eu sou mulher e brasileira e que isso era impossível. Me senti mal e sozinha".

O depoimento é apenas um de uma série de relatos de meninas colhidos Brasil afora pela Força Meninas, plataforma de impacto social focada no incentivo ao protagonismo feminino desde a infância.

O diagnóstico é conhecido: mulheres seguem sendo ampla minoria nas carreiras de exatas. Na computação, apenas 13% dos profissionais brasileiros são mulheres - no restante do mundo, a situação é apenas um pouco melhor: 28%. Na engenharia, são meros 21,6% (27% na média mundial).

As razões para a baixa presença feminina nas áreas STEM - sigla em Inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática - mereceram pesquisa específica, divulgada no dia 14 de fevereiro pela Força Meninas.

O estudo contou com entrevistas com 230 meninas, de 10 a 18 anos; visitas a 17 escolas (10 públicas e sete particulares); 24 rodas de conversa e um questionário quantitativo com 1. 232 respostas, de meninos e meninas, de 10 a 17 anos, de escolas públicas do Sudeste e do Nordeste.

As conclusões apontam para problemas, traumas e outras experiências negativas vivenciadas ainda na infância, como explica a fundadora da Força Meninas, Déborah De Mari: "O mais grave é que a maior parte dos fatores é estrutural e sistêmica. Por isso, muitas vezes passa despercebida para a maior parte das iniciativas para meninas e mulheres nessas áreas".

Dentre as razões apontadas pelo estudo, estão: estereótipos de gênero, violência de gênero e outras barreiras para permanecer na escola, aprendizado deficitário de Matemática e falta de oportunidades, incentivo e referências.

No caso do ensino de Matemática, as razões vão desde a já conhecida dificuldade de aplicar os conhecimentos recebidos em sala de aula na vida cotidiana, gerando desinteresse pela área, até experiências traumáticas na aprendizagem, provocadas por abordagens ríspidas e impacientes de pais e professores. O resultado se evidencia em números: 44% das meninas acham Matemática a matéria mais difícil de todas, contra apenas 28% dos meninos.

Mesmo assim, elas reconhecem a importância das Exatas e gostariam que o cenário fosse diferente. Matemática é citada como a matéria mais importante do currículo escolar, seguida por outra que ainda não é uma disciplina fixa para muitas delas, mas que elas gostariam que fosse: Educação Financeira. "A menção à Educação Financeira mostra que elas estão atentas ao que realmente pode fazer diferença em seu futuro. Elas têm clareza de que saber controlar o dinheiro é crucial para criar novos futuros para elas e suas famílias. Cuidar da família é uma preocupação constante mencionada por meninas de diferentes classes sociais", explica De Mari.

Embora não fosse um dos focos iniciais do estudo, a violência de gênero permeia praticamente todo o relatório, nas respostas das meninas para diferentes questões e temáticas. Há desde relatos de tentativas de assédio por colegas no ambiente escolar - quase sempre descritas por meninas na faixa dos 10 anos - até a vontade de ter aulas de autodefesa na própria grade escolar. Dentre as escolhas profissionais, o ofício de delegada é o mais citado por alunas da rede pública de ensino.

"Apesar de não ser fonte direta da nossa observação, o tema da violência de gênero esteve presente em todas as conversas e surgiu com nuances mais graves em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, com casos de assédio, e Curitiba (PR) e São Luís (MA), com casos de violência doméstica", conta De Mari. "Isso impacta diretamente nas escolhas profissionais. Se uma menina não se sente segura em um ambiente misto, como a escola ou nas ruas, como se sentirá segura em um ambiente de maioria masculina, como uma sala de engenharia de computação, que tem menos de 13% de mulheres?"

Diante de todo esse cenário, alguém pode se perguntar por que a ocupação das áreas de STEM não parece ser impactada pelo discurso de empoderamento feminino e pela militância feminista, tão em voga nos últimos anos e incorporados pelas meninas cada vez mais cedo. Segundo De Mari, essa luta ainda está distante da própria discussão de emancipação feminina.

"O empoderamento feminino tem atuado muito nas temáticas das mulheres adultas combatendo violências, das demandas maternas e, com menos ênfase, da igualdade salarial. Com as meninas, o empoderamento chegou com força ao Brasil focado na liberação dos corpos, na sexualidade e, mais recentemente, na pobreza menstrual. Temas que contribuem para o desenvolvimento econômico e a mobilidade social, como a escolha profissional, ainda não têm tanta visibilidade na mídia e nas políticas públicas. Desta forma, também não chegam às meninas".

Além da dimensão social e de gênero, o problema é de mercado formação de profissionais para uma área crucial ao desenvolvimento. Segundo estudo da Brasscom (Associação de Empresas de Tecnologia de Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), 797 mil empregos em TI (Tecnologia da Informação) serão gerados até 2025 e o Brasil não está formando profissionais suficientes para ocupar essas vagas futuras.

*Colaborou Gabriel Costa (reportagem e texto)