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Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

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Felipe Neto: 'Na internet, não há ação mais urgente que educação midiática'

Felipe Neto, comunicador e influenciador digital  - Divulgação
Felipe Neto, comunicador e influenciador digital Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

23/03/2023 06h00

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"No ambiente virtual", diz Felipe Neto, 44,9 milhões de seguidores no YouTube, 17 milhões no Instagram e TikTok e quase isso no Twitter, "não há assunto mais importante do que a educação midiática - mais importante até do que a regulação das mídias sociais". O comunicador e influenciador digital fala por experiência própria.

Alvo de fake news ao longo dos quatro anos de governo Bolsonaro, passou a dedicar parte de seus vídeos e de seu dinheiro para o combate à desinformação. Em 2021, fundou o Instituto Vero, que produz pesquisas, campanhas e projetos para estimular o uso crítico de tecnologias digitais.

Ainda falta combinar com os russos — no caso, os "nossos" russos: crianças, adolescentes, jovens, adultos e mesmo a turma mais madura que produz e reproduz sem dó conteúdo enganoso e discurso de ódio. Já é célebre o estudo do MIT com a estimativa de que notícias falsas viralizam 70% mais rápido que as verdadeiras.

Entre as muitas razões, algumas estão na própria natureza das fakes: elas abusam do sensacionalismo e da conspiração, têm tom polêmico e apresentam soluções simplistas para problemas complicadíssimos.

Engajam muito mais do que conteúdos serenos, que mostram que as coisas são mais complexas do que se supõe. A pesquisa não fala sobre o consumo de produções educativas, mas, dados os rótulos de "chatas" ou "escolares" que as acompanham, é de se supor que se espalhem no ritmo de um jabuti com dificuldades de locomoção.

Felipe defende que forma e conteúdo precisam estar alinhadas com cada público da sociedade: crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens adultos, adultos, idosos.

"Dentro dos grupos, é preciso criar nichos de público-alvo e, a partir daí, estruturar o material de educação digital". Para tornar a produção atrativa, o influenciador defende um casamento entre pedagogia e experiência no mundo online. "Para que a audiência continue engajada, o conteúdo precisa ser desenvolvido por especialistas de educação digital e de comunicação".

É a receita de "Curti, e daí?", podcast que o Vero estreou na última terça-feira (21) em seu site e nos agregadores de áudio.

No lado da comunicação, Laura Mattos, jornalista com longa trajetória na Folha de S. Paulo, onde hoje atua como repórter especial de educação. No canto da pedagogia, Januária Alves, mestre pela ECA-USP e uma das principais referências em educação midiática do Brasil. Ambas apresentam o podcast (Felipe é o apenas o big boss por trás da produção), mas não o protagonizam. O centro da reflexão sobre o comportamento na internet são os jovens, surpreendentemente articulados, que expõem seus comportamentos online e comentam temas como filtros-bolha, cyberbullying e saúde mental.

Giovana, de 18 anos, diz: "Sou gorda, preta, uma menina da favela. E percebi que estava seguindo um monte de gente rica, branca, magra. Não fazia sentido! Eu precisava ocupar o meu lugar nas redes sociais". Yasmin, 15, sobre boatos nas redes: "Os próprios alunos criam Instagram de fofoca da escola e colocam um monte de coisa falsa contra os outros. Muita gente fica mal. Isso é adolescência real."

Em que pese alguma falta de naturalidade nos trechos de diálogos entre as apresentadoras, o podcast avança ao colocar os adolescentes no centro e ao evitar o tom prescritivo do tipo "faça isso, não faça aquilo", recorrente nas cartilhas educativas. "Isso seria arrogante e equivocado", diz Laura. "O podcast elabora com os jovens as reflexões sobre como a sociedade se relaciona com a internet". "Não existe receita pronta", afirma Januária. "Estamos todos em busca de como cada um pode exercer um papel rumo a uma rede mais cordial."

A capacidade de refletir sobre a própria experiência no mundo digital tem explicação: a maior parte da moçada ouvida pelo podcast passou por algum tipo de programa de educação midiática. "Formação para o consumo de mídia está aí desde os anos 1980, mas as iniciativas vêm se multiplicando recentemente", afirma Januária. "Parece que atingimos um ponto de virada. [Os atos golpistas] de 8 de janeiro mostraram a urgência de um projeto de conscientização e criticidade no uso das mídias. O tema precisa virar política pública."

Em nível Federal, o tema ganhou um departamento na recém-criada Secretaria de Políticas Digitais. Também faz parte das principais competências trabalhadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que serve de suporte aos currículos escolares da Educação Básica. Mas o caráter pontual das iniciativas e a fragilidade na formação de professores para lidar com o tema são desafios a serem superados. "Ainda estamos engatinhando na educação digital e por isso tanta gente acaba caindo em desinformação", diz Felipe. "O processo é lento, e nós estamos fazendo a nossa parte."