Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Possível onda de massacres pede controle imediato das notícias e das armas
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Estive nos Estados Unidos no começo do ano. Do jornalismo americano sempre afeito a números, um me impressionou: 39, o número de assassinatos em massa ocorridos até o final de janeiro.
Vou ao Gun Violence Archive — grupo de pesquisa que rastreia esse tipo de ocorrência usando documentos da polícia — para conferir os números atuais. São ainda mais terríveis: até o fim de março, há registro de 130 tiroteios em massa. Mais de um por dia, boa parte deles em escolas.
Que o trágico hábito se instalasse no Brasil era, infelizmente, questão de tempo. As ocorrências vêm se avolumando porque, aqui, importamos as mesmas condições nefastas que possibilitam que viceje o caldo de ódio e violência que há tempos escorre por lá:
Falta de regulação das plataformas: é conhecida a ligação entre os tiroteios e a radicalização propiciada por comunidades subterrâneas da internet, como os fóruns 4chan e 8chan, e mesmo "superficiais", como os grupos de WhatsApp. Nesses ambientes, adolescentes e jovens introvertidos, muitas vezes eles próprios vítimas da violência, encontram incentivo para uma vingança torta contra a sociedade que supostamente os oprime. A utopia da "liberdade total" — leitura distorcida da ideia de que falar o que se quer é um direito incontestado (não é) — não está funcionando.
Algoritmização: do jeito que estão calibradas, as regras que determinam o que vai aparecer em nossas timelines privilegiam o engajamento. Hoje isso equivale a dizer que elas dão espaço desproporcional ao que nos captura pelos instintos mais primitivos. Conteúdo violento faz parte desse arsenal.
Cultura das armas: quatro anos de um presidente armamentista e o relaxamento das regras para o porte de armas não poderiam dar em outra coisa. Ainda que haja massacres com armas brancas, o recurso às armas de fogo costuma ser a primeira hipótese. Cai por terra, de maneira catastrófica, a tese de que mais armas aumentam a segurança.
Cobertura sensacionalista da mídia: a literatura aponta o chamado "efeito contágio" desse tipo de massacre. Noticiário sangrento tende a gerar mais ocorrências (uma das intenções dos agressores é a notoriedade de que nunca gozaram) e a "santificação" dos agressores. As referências aos assassinos de Columbine (EUA) e Suzano (Brasil) como "heróis" nos fóruns da subcultura da internet são evidência disso.
Falta de pessoal nas escolas: elas são obrigadas hoje a lidar com casos crescentes de indisciplina e de violência, agravados após dois anos de pandemia, sem a estrutura necessária. Faltam psicólogos e orientadores educacionais que possam atuar na melhoria do clima escolar, dialogar com os alunos e auxiliar a construir uma cultura de paz, prevenindo esse tipo de ocorrência.
Falta de apoio da polícia: lugar de polícia não é na escola, mas existem casos em que ela precisa, sim, estar próxima e ajudar. Quando as ocorrências ganham registro em delegacia é preciso que o protocolo de reforço na ronda escolar e de prontidão para coibir ocorrências violentas de fato funcione. Fluxos de entrada e de saída de alunos também merecem atenção.
Impunidade a crimes cibernéticos: também na seara dos crimes cibernéticos as forças policiais têm sido altamente insuficientes para coibir os processos de radicalização.
Não há solução fácil para problemas complexos, mas a velocidade com que os massacres em escolas vêm ocorrendo convoca ação imediata.
Um plano coordenado para estancar uma possível onda de tiroteios deveria incluir um pacto dos veículos de mídia para registrar as ocorrências sem detalhes e sem sensacionalismo (considerando a virtual impossibilidade não registrar um crime dessa natureza, em virtude de seu impacto social);
a exigência de que as mídias sociais monitorem e moderem para valer seu conteúdo (em caráter provisório até que o substitutivo do PL das fake news, que estabelece regras mais permanentes para a regulação das redes, seja analisado e votado no Congresso), sob pena de pesada multa e retirada de conteúdos do ar;
reforço imediato na ronda escolar e uma política temporária de maior controle no acesso à escola, com auxílio policial do lado de fora quando necessário; reforço na inteligência policial em relação a crimes cibernéticos;
moratória na emissão de novos registros de armas; contratação de equipes de psicólogos e orientadores educacionais como política de estado, recompondo, junto com diretores e coordenadores pedagógicos, o chamado "trio gestor";
política de estado para a chamada educação midiática, com foco na prevenção da violência nos ambientes online e offline.
Sim: precisa de projeto, de orçamento, de pessoal qualificado, muito diálogo, coordenação e a virada para uma mentalidade não armamentista. A ausência desses elementos já está bem expressa nos números lamentáveis dos Estados Unidos, um exemplo que não queremos seguir.
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