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Greve, denúncia de desvios, destituições: por dentro da crise da Santa Casa
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Estudantes sentados no chão e paredes repletas de cartazes contrários ao responsável pela administração da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Convocada pelo deputado Carlos Gianazzi (PSOL), a audiência pública de 31 de maio na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) é um dos capítulos mais recentes da crise na instituição. O enredo inclui suspeita de desvio de recursos para pagar jantares, acusações de assédio moral, disputas na direção da entidade e críticas a mensalidades de quase R$ 10 mil.
O principal alvo é Tonico Ramos, presidente do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho (FAVC), mantenedora da faculdade. Deputado estadual entre 1983 e 1995, pelo MDB, Ramos está sendo investigado pelo Ministério Público por alegação de gestão autoritária na fundação e na faculdade, assédio moral com funcionários e desvio de recursos da para fins pessoais e políticos.
A denúncia foi feita em fevereiro deste ano pelo coronel Raugeston Bizarria Dias, presidente do Conselho Fiscal da Fundação. A coluna teve acesso à representação enviada ao MP. Entre as alegações, Bizarria aponta o uso do cartão corporativo da fundação para a realização de um jantar pessoal para cerca de vinte pessoas na residência de Ramos. A denúncia afirma, ainda, que o presidente do Conselho Curador teria pedido a um funcionário que, em horário de trabalho, produzisse santinhos e cartas de apresentação de candidatos apadrinhados. Segundo Bizarria, tudo foi feito com infraestrutura e recursos da fundação, onde o material ficou também armazenado.
Mesmo com a investigação, Ramos se segurou no cargo. Em protesto, estudantes promoveram uma greve entre 24 e 31 de maio, data da audiência na Alesp. Melina Houlis, presidente do Centro Acadêmico Manoel de Abreu (CAMA), do curso de Medicina, conta que Ramos defende a "produtividade financeira" da fundação. Houlis argumenta que essa visão é desconexa dos objetivos da entidade, já que se trata de uma instituição filantrópica e sem fins lucrativos.
O CA também aponta que o superávit não vem acompanhado de melhoria no ensino. Segundo Houlis, não houve aumento nos campos de estágio nem melhoria nas salas de aula. Ao contrário: o número de estudantes por sala saltou de 120 para 180 desde 2021. A mensalidade também subiu. Quem decidiu ingressar no curso de medicina da faculdade em 2018 começava pagando em torno de R$ 6.200 por mês. Hoje, o valor para o primeiro ano é de R$ 9.662, um aumento de 56% - a correção pela inflação do período levaria a mensalidade para a casa dos R$ 8.200.
Os estudantes também pedem maior representatividade no Conselho Curador. A maioria das pessoas que compõem o grupo são coronéis, advogados ou desembargadores. "São 14 pessoas definindo os rumos de uma Faculdade de Ciências de Saúde, ninguém lá tem a capacidade de fazer isso. Tem pouquíssima representação de pessoas com formação acadêmica específica", relata Houlis.
De acordo com os estudantes e membros da diretoria da fundação, o presidente também tem manobrado para afastar desafetos e transformar o Conselho em um "grupo de amigos". Uma reunião no dia 16 de maio decidiu pela destituição de parte da diretoria executiva, mas a ata não foi aprovada pela promotora Mariangela Balduino, do Ministério Público de São Paulo. Durou pouco. Em nova reunião, no dia 19 de maio, o Conselho persistiu na destituição dos membros e, desta vez, a ata foi aprovada e protocolada pela promotora e pelo cartório.
Para o presidente da diretoria destituído, coronel Luiz Eduardo de Arruda, a decisão é uma "evidente arbitrariedade". "O afastamento é capitaneado pelo presidente do Conselho Curador com claro objetivo de impedir as investigações em curso".
Chega-se, enfim, à audiência pública. O objetivo do evento foi escutar as perspectivas de estudantes e docentes a respeito dos acontecimentos. Em suas falas, alunos pediam afastamento imediato de Tonico Ramos, cumprimento do Estatuto da Fundação, fim das intervenções do Conselho Curador nas questões acadêmicas da Faculdade e maior representação acadêmica (discente e docente) no Conselho Curador.
Gianazzi confirmou a convocação de Tonico Ramos para a Comissão de Saúde da Câmara, além de pedir a convocação na Comissão de Educação. O deputado afirmou que vai acionar o MP e a procuradora de fundações para saber em quais condições as atas das reuniões do Conselho Curador estão sendo aprovadas.
Questionada a respeito das denúncias, a FAVC diz que o Conselho Curador determinou a apuração independente por um escritório de advocacia e só tomará atitudes após o resultado desta investigação. Afirma, ainda, que não identificou motivos para afastar Tonico Ramos da presidência.
Quanto às demandas dos estudantes, a fundação diz ter destinado R$ 42 milhões para a infraestrutura de ensino nos últimos dois anos. Em relação à destituição de parte da Diretoria Executiva, a alegação é de que os novos integrantes foram eleitos pela maioria dos membros do Conselho Curador e em conformidade com o Estatuto Social da Fundação. A motivação da troca foi "a preservação do melhor interesse da fundação, com a eleição de diretores melhor alinhados com a visão da administração para o futuro das entidades mantidas, segundo o entendimento do Conselho Curador".
A procuradora Mariangela Balduino, responsável pelo setor de Fundações do MP, afirma que está em curso o procedimento preparatório de inquérito civil - etapa precedente à investigação, quando os fatos, a autoria ou a atribuição do MP ainda não estão claros. Caso as denúncias sejam procedentes, aí, sim, será aberto um inquérito.
A respeito da ata do dia 19 de maio, que destituiu parte da Diretoria Executiva (inclusive o então presidente), Balduino afirmou que seu conteúdo deve ser cumprido. A promotora ressalta que a ata foi considerada regular e que não viola o Estatuto da FAVC. Entretanto, quem desejar pode entrar com recursos judiciais caso vejam ilegalidade no documento.
Tonico Ramos foi contatado pela coluna, mas não se pronunciou a respeito das denúncias apresentadas no Ministério Público. A reportagem será atualizada quando isso ocorrer.
Colaborou Thiago Baba (texto e reportagem)
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