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'Abandono': Anhembi Morumbi demite, encurta cursos e junta anos diferentes
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Demissões de professores, cursos com carga horária reduzida, migração de disciplinas presenciais para o online, currículo "surpresa", aulas padronizadas, problemas com direitos autorais, junção de turmas de anos - e instituições - diferentes. É numerosa a lista de queixas de alunos e docentes da Universidade Anhembi Morumbi com quem a coluna vem conversando ao longo dos últimos dois meses. O alvo principal é o grupo Ânima Educação, controlador da Anhembi desde 2021 e de mais doze centros universitários e faculdades nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste.
A coluna falou com duas estudantes da instituição. Como os demais entrevistados, elas pediram para não serem identificadas por medo de represálias. Aluna do 3º semestre do curso de naturologia, Sandra (nome fictício) relata que a carga horária da graduação caiu de 4 mil horas para 3 mil. Na semana passada, houve a demissão de dois professores e o desligamento de uma docente das funções de coordenação. A Ânima Educação diz que os desligamentos são parte de um "processo natural" no atual cenário das universidades privadas no país.
"Ficamos abandonados, sem comunicação com a universidade. Além de naturologia, a professora também coordenava outros 6 cursos da área de saúde", diz. "Quanto ao docente desligado, era um dos poucos naturólogos do curso. Ele contou que foi demitido por videochamada." Sandra diz que a turma teme que não haja reposição para as demissões. "Não entrou ninguém no lugar do professor demitido no fim do ano passado", pontua.
Outra queixa é sobre a quantidade de aulas online, que chegam a tomar dois dias da semana. Uma portaria de 2019 permite que as instituições de ensino superior ofereçam até 40% da carga horária a distância mesmo nos cursos presenciais. Sandra diz que nem ela nem os amigos foram avisados disso na hora da matrícula. "Passaram para o híbrido sem nos consultar, mas a mensalidade continua a mesma, na casa dos 2 mil reais", afirma. O resultado é a alta evasão.
Minha sala começou com 16 alunos. Hoje, tem 7, e dois já disseram que não voltam para o semestre que vem. "Sandra" (nome fictício), aluna da Anhembi Morumbi
Docentes amedrontados e sem liberdade para ensinar
Além das alunas, a coluna entrevistou quatro docentes de cursos diferentes da Anhembi Morumbi. Como constante, as falas trouxeram a suspeita de desligamentos em massa no ano passado e o temor de novas demissões no fim do semestre letivo. "A sala de professores se tornou lugar de gente doente, funcionando à base de remédio para gastrite" , diz Juliana, docente da UAM
Entre os demitidos, tem história de docente que virou Uber ou que está vivendo de reserva até se recuperar mentalmente. Vão cortando professores e a universidade vai perdendo a massa crítica. Juliana, docente da UAM
Outro foco de queixa é o E2A, sigla para Ecossistema Ânima de Ensino. Apresentado pela mantenedora como uma abordagem de currículo integrado e de metodologias ativas, o E2A substitui disciplinas por unidades curriculares, parte delas oferecida a mais de um curso ou a mais de um ano.
As principais reclamações recaem na quebra de sequencialidade. Sandra conta que a ordem das disciplinas fica bagunçada, e que só sabe o que vai estudar um pouco antes do semestre que se inicia. "Já estou quase no meio do curso e ainda não tive a matéria 'Introdução à Naturologia'. A gente fica conhecendo a grade por e-mail antes do período letivo".
Professores também confirmam o transtorno. "Com estudantes de vários anos na mesma sala, não posso nem apresentar o conteúdo básico para quem está iniciando algum curso nem o conteúdo mais avançado para quem está terminando a graduação", afirma Edson, professor da instituição.
O "ensalamento" não inclui apenas estudantes de diferentes semestres, mas também de outras faculdades do grupo Ânima. "Já tive salas online com alunos de São Paulo, da Unisul (Santa Catarina) e da UniBH (Minas Gerais)", afirma Juliana. "Além de desconsiderar as características regionais e de cada instituição, o E2A exige que todas as faculdades ensinem o mesmo ponto no mesmo dia. É a massificação do ensino, a liberdade de cátedra se perde", diz Ruth, também professora da UAM.
O problema se estende à avaliação. Parte das provas são elaboradas com base em um banco de questões nacional alimentado pelos professores do Grupo Ânima. "Já aconteceu de aluno meu abrir uma prova online e se deparar com uma questão que não foi passada em sala de aula, porque é impossível coordenar o que alguém, em outro estado, pensa sobre a mesma matéria", complementa João, docente da UAM.
Segundo o Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), há relatos de salas de aula com mais de 100 alunos por turma. O sindicato, aliás, vem colecionando outras denúncias contra a Ânima. Em abril do ano passado, noticiou que docentes da Anhembi Morumbi e da São Judas precisaram aceitar sem remuneração um termo de cessão de direitos autorais para cadastrar questões para avaliação. Em abril deste ano, o sindicato decidiu entrar na Justiça contra um novo plano de carreira que, na prática, segundo a entidade, reduz o valor de hora-aula dos docentes.
Para grupo Ânima, demissões são "processo natural"
Sobre as demissões, a coluna questionou a assessoria da Ânima Educação com a seguinte pergunta: "Entre 2019 e 2022, houve diminuição do quadro docente na Ânima Educação? De quanto? E da massa salarial? De quanto?"
O grupo afirmou que todas as instituições de ensino superior do Brasil passam por um "processo natural de renovação do quadro regular" ao final de cada semestre letivo. "Esse processo não foi alterado nos últimos anos, pois é uma prática comum do mercado de educação". O texto será atualizado se houver resposta específica às indagações da coluna.
O grupo classifica o modelo E2A como "inovador", "incentivando os estudantes a desenvolverem competências que os preparam para os desafios reais da carreira", seguindo "irrestritamente" as diretrizes estabelecidas pelo MEC e sem relação com reajuste de mensalidades ou desligamento de professores. Quanto ao uso da tecnologia no ensino, a Ânima afirma não haver de nenhum tipo de plano para "substituição da presença ou da atividade docente". "Ao ser utilizada, ela [tecnologia] permite que o professor desempenhe seu papel cada vez mais analítico e orientador."
*Colaborou Gabriel Cruz Lima (texto e reportagem)
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