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Rodrigo Ratier

REPORTAGEM

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Por que o 'ghosting' virou padrão em fim de relação? Pesquisas explicam

Unsplash/Pradamas Gifarry
Imagem: Unsplash/Pradamas Gifarry

04/07/2023 06h00

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Em inglês, a prática deriva do substantivo "fantasma". Vem assombrando geral, tanto que virou termo dicionarizado. De acordo com o prestigioso dicionário bilíngue Cambridge Dictionary, ghosting significa "uma maneira de terminar um relacionamento de repente, interrompendo toda a comunicação". Em geral, tem tecnologia envolvida. O sumiço unilateral envolve bloqueios em redes sociais e deixar no vácuo chamadas telefônicas ou mensagens de texto. Do outro lado do celular, há sempre alguém tentando entender o que significa o silêncio do parceiro ou parceira.

A reputação social do ghosting não é das melhores. Pôr ponto final num relacionamento recorrendo a um mutismo fantasmagórico é muitas vezes percebido como uma estratégia de término inaceitável. Mas esta reportagem não vai pelo caminho do juízo moral. A ideia, aqui, é contar um pouco do que a ciência tem a dizer. Em áreas que incluem sociologia da família, psicologia social, ciberpsicologia e psicologia da personalidade, surgem pesquisas tentando desenhar um rascunho dos motivos e das consequências da prática.

A maioria das sondagens é qualitativa, têm amostras na casa de centenas de pessoas e caráter exploratório. Ou seja, não pretendem dar a palavra definitiva sobre o tema, mas apontar caminhos para investigá-lo melhor. A seguir, os principais achados de 11 estudos com mais referências no Google Acadêmico. Todos foram publicados em revistas científicas revisadas por pares e reconhecidas em suas áreas.

Cada vez mais gente recebe - e faz

Ainda não há números precisos, mas a literatura científica aponta o ghosting em viés de alta. Uma enquete de 2021 no site de pesquisas pagas YouGov estimou que 17% dos americanos já havia sumido do nada em um relacionamento - aumento de 6 pontos percentuais em relação aos níveis de 2014. No mesmo intervalo de 7 anos, a porcentagem de pessoas que levaram um ghosting aumentou de 13% para 19%. A maioria dos estudos traz índices entre 20% e 25% para as duas práticas. O ponto fora da curva é um estudo de 2019, que jogou os números lá para cima: 64% fizeram ghosting, 72% tomaram.

É mais comum em relacionamentos curtos - e online

Sinal dos tempos meio óbvio, agora com respaldo científico: estudo de 2019 apontou que os relacionamentos que terminavam por ghosting eram mais curtos e caracterizados por menos comprometimento do que aqueles encerrados por conversa direta. Outra pesquisa, de 2020, encontrou ainda correlação entre o ghosting e o uso de aplicativos de paquera.

Tem razões que vão de conveniência a excesso de opções

Um estudo da Universidade do Alabama de 2019 investigou os motivos mais prevalentes para a estratégia do desaparecimento. Eis os mais citados:

  • Conveniência É mais "prático" terminar uma relação sem envolver o contato cara a cara e a tarefa de lidar com as emoções do coração partido.

  • Falta de atração Quando um relacionamento começa no ambiente virtual e a pessoa desiste de levar adiante para um encontro de verdade.

  • Comportamentos indesejáveis Para alguns entrevistados, é mais fácil bloquear o contato diante de uma interação que causa raiva ou frustração do que confrontá-lo.

  • Mudança de status O ghosting apareceu como recurso para quem não queria passar de uma relação casual para algo mais sério.

  • Segurança Sobretudo mulheres assumem usar a estratégia do sumiço para se protegerem de parceiros vistos como assustadores ou potencialmente violentos.

Uma sondagem de 2020 focada apenas em apps de relacionamento adicionou outras razões, que os pesquisadores classificaram como "racionalizadoras":

  • Exclusão do aplicativo Uma espécie de ghosting culposo, porque a saída do app apaga todas as conversas.

  • Fila de potenciais parceiros Sobretudo as entrevistadas mulheres relataram um excesso de matches. Os de menor interesse resultavam em sumiço.

  • Parte do ambiente Um grupo maior de entrevistados afirmou que o ghosting é um ingrediente "natural" do mundo dos apps de namoro.

  • Preocupação com o outro A alegação é que desaparecer de vez é melhor do que magoar alguém com uma rejeição verbal.

Homens somem por narcisismo. Mulheres, por segurança

Uma pesquisa de 2023 e outra de 2021 relacionaram a interrupção por meio do silêncio a traços de narcisismo entre os homens - a sondagem de 2021 fez ligação também com aspectos de maquiavelismo e psicopatia. A mesma pesquisa apontou que as mulheres fazem mais ghosting, mas por motivos diferentes: medo de agressões e a já citada oferta abundante de pretendentes.

O ghosting tem 'parentes' que podem ser ainda mais nocivos

A literatura aponta que há ligação entre tomar ghosting e variadas formas de mal-estar psicológico (da apatia a sintomas depressivos) e perda de confiança nos outros (o que pode ter consequências individuais e sociais). Há outras práticas nocivas. Breadcrumbing, ou "lançamento de migalhas", em tradução livre, designa o envio de mensagens esparsas só para manter a pessoa interessada, mesmo sabendo que não vai rolar nada. Um estudo de 2020 viu mais prevalência de sentimentos de solidão em quem recebe essas piscadelas de atenção do que em quem leva ghosting. Já o orbiting descreve quem some da vista, mas fica "orbitando" o parceiro sem interagir pelas redes sociais. Uma pesquisa de 2021 afirma que os "sinais ambíguos" da prática protegem parcialmente as vítimas da dor do fim.

Ghosting tem estágios de luto e exige aceitação

Assim como a morte, o ghosting leva os rejeitados a passar por diferentes fases à medida que vão entendendo o que significa o silêncio, de acordo com um estudo de 2021. Começa com surpresa e confusão, passa por raiva e tristeza, pode incluir tentativas de retomar o contato - e termina com a aceitação. Parte dos entrevistados contou que uma mensagem direta perguntando o que aconteceu gerou uma resposta mais sincera, trazendo a sensação de "fechamento" que esperavam. Mas o mecanismo de enfrentamento mais mencionado foi racionalizar o ghosting, entendendo que foi desagradável, mas também apenas uma rejeição de um relacionamento que, por falta de vontade de uma das partes, não teria futuro mesmo.

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