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Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Reflexões sobre um gato recém-chegado à casa

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

11/07/2023 06h00

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Giro a maçaneta e abro a porta com cuidado. Nunca se sabe se o furacão está à espreita ou se vem de longe. O caso em tela dobra a esquina à toda, arqueado, derrapante, acelerado. Eis o gato. Está indignado, se pudesse bateria o pezinho no chão, cruzaria os braços e reclamaria: que horas são essas?

O problema é a fome. Frango ou peixe, sr. gato? Come muito para seu tamanho o bichano, dobrou de peso desde que chegou. Faz 15 dias e parece uma era geológica. O gato ocupa espaços e tem o dom do teletransporte, está onde quer que a visão alcance. Inimigo mortal do home office, é bem-sucedido em impedir atividades paralelas em sua presença. O gato está se especializando em roer fiação. Vai tomar choque um dia desses o gato.

O gato ainda não sabe usar a caixa. Nos venderam que isso vinha de fábrica, grossa lorota. Em desbravadora agitação, escangalhou o sofá, regou o abajur, aliviou-se na cortina e por fim se decidiu. Para a excreção líquida, cultivou predileção pela mesa de cabeceira, cuja madeira agora exala um blend constante de urina azeda e Lysoform. Quanto ao bolo fecal, o rotineiro é recolhê-lo debaixo da bicama. Ao menos é previsível o gato.

O gato está aqui por causa da criança, da tristeza da criança. Em ânsia amorosa, ela vandaliza o gato. Beija-lhe o pelo, espreme-lhe as costelas, ergue-o ao céu proclamando-o Rei Leão. O gato responde com uma unhada. Gato mau, gato malvado, eu te odeio. O gato quando está em paz dá um longo suspiro e dorme, como fazia a criança quando era ainda mais criança. A criança hoje dorme com o gato, a criança ama o gato, a criança é o gato.

O gato é um bebê. Como todo bebê, veio de um terreno baldio, resgatado do torpor faminto por um alma que lhe deu vermífugo, banho de lenço umedecido e Whiskas sabor carne. Sente falta da mãe, finge mamar e emporcalha camisetas com sua baba viscosa. O gato tem um olhar assustado. Se pudesse, moraria no bolso do casaco onde passou seus primeiros dias. O gato ronronante é um canguru.

O gato também é um cachorro. Mordisca dedos, braços e narizes, coloniza colos, exige cafunés, interrompe programas de TV, demanda uma atenção que ninguém pode dar. Alquebrados e resistentes, somos o que o gato tem e o gato agora é parte do nosso bando. Não sei se o gato é feliz. Somos o gato quando a maçaneta gira, a porta se fecha e há um dia adiante para se preencher.

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