Rodrigo Ratier

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Cursos noturnos levam jovens africanos a conquistar vaga em universidade

Tovime Rodolphe Adjibi está no Brasil há apenas cinco anos, mas sua curta experiência por aqui tem sido intensa. Natural do Benin, pequeno país da África Ocidental com cerca de 10 milhões de habitantes, ele conquistou recentemente a única vaga para o curso de administração na Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) por meio do processo seletivo da instituição voltado para refugiados, apátridas e portadores de visto humanitário.

Sua trajetória em terras brasileiras não tem sido apenas de conquistas. Ele chegou ao Brasil em 2018, acompanhado da mulher e dos três filhos. A esposa morreu há 2 anos, com apenas 29 de idade, de insuficiência hepática - não resistiu à espera por um transplante de fígado. Hoje, aos 35, ele trabalha nas horas vagas da graduação como pintor de apartamentos e residências. Sua meta é pedir transferência para o período noturno da universidade no próximo ano. Sua intenção é arrumar um estágio na área de formação.

Residindo no país há menos tempo - completará um ano neste mês de setembro -, o angolano Ntemo David João, de 23 anos, também tenta conquistar seu espaço por aqui. Formado em ciências técnicas e biológicas em Angola, ele pretende cursar tecnologia da informação (TI) em uma universidade brasileira. Enquanto isso, ele tem feito um curso técnico preparatório de administração e logística, e trabalha como RH de uma cooperativa de materiais recicláveis.

Tanto Tovime quanto Ntemo passaram pelos cursos noturnos do Colégio Santa Cruz, tradicional instituição de ensino de Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Ntemo é aluno da educação profissional, disponível desde 2012; Tovime foi aluno da educação de jovens e adultos (EJA), oferecido do Fundamental ao Médio desde 1974. Tudo é gratuito, e o processo seletivo prioriza quem tem menor renda e maior idade.

Nos últimos anos, o colégio tem tido um aumento significativo no número de refugiados e imigrantes em geral entre seus estudantes, de diferentes turmas (além dos dois, passaram também pela instituição haitianos, afegãos, venezuelanos, dentre outras nacionalidades). "Eles vieram naturalmente. Não foi nada estimulado, mas exigiu uma política de facilitação de acesso, levando em conta o idioma, as diferenças entre o ensino daqui e o dos países de origem", conta Roberto Catelli, diretor diretor dos cursos noturnos, que incluem EJA e cursos técnicos.

Segundo Catelli - e tanto Tovime quanto Ntemo reforçam isso -, os alunos estrangeiros são muito bem tratados pelos demais alunos brasileiros, garantindo a sua socialização no ambiente escolar. "A acolhida é muito boa. Eles saem juntos com os demais alunos, se divertem, têm laços de amizade mesmo", diz Catelli.

A principal barreira para a maioria deles é o idioma. Diferentemente de Ntemo, que vem de um país de língua portuguesa, Tovime ainda tem dificuldades com o português inclusive como disciplina escolar, mesmo estando aqui há mais tempo do que o angolano - a língua oficial do Benin é o francês. Por outro lado, é bom em matemática, o que permitia a ele ajudar seus colegas de classe na EJA.

Os dois relatam grande entusiasmo com o Brasil em contraste com os países de onde vieram. Mais reservado, Tovime elogia a política de cotas raciais - no Benin também há cotas, mas apenas sociais. Mesmo assim, segundo ele, o ingresso não é tão fácil. "O Benin não tem guerra nem fome, mas é um país com muita dificuldade de empregabilidade e muita corrupção", conta ele.

Para Ntemo, os contrastes entre o Brasil e Angola são mais gritantes em pequenas situações cotidianas, por vezes menosprezadas pelos brasileiros. "Lá, quando chove, precisamos sair de botas, porque fica muito alagado, com muito barro, e é difícil de andar. E aqui tem muito mais transporte, com paradas pelo caminho. Em Angola, temos poucos ônibus, sem paradas e que vão lotados, porque todos vão para o mesmo lugar. Também tem muitos parques aqui. Quase todo bairro tem um. Acho que não tem nenhum em Angola. Pelo menos, não na capital".

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Colaborou Gabriel Costa (apuração e texto)

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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