'Menos escolhas': em escola nobre de SP, reforma do Médio engessa currículo
Este é o terceiro texto da série de reportagens que a coluna divulga sobre a realidade do Novo Ensino Médio em quatro escolas paulistas. Dois colégios são públicos e dois, privados —caso do Colégio Santa Cruz, na zona Oeste de São Paulo. Veja aqui a primeira e a segunda reportagens da série.
É a mesma reforma, mas sua realidade é completamente diferente dependendo do CEP. Enquanto escolas públicas e particulares voltadas às classes médias e populares reclamam da dificuldade de implantar o Novo Ensino Médio (NEM) e relatam que ele piorou o que já não estava bom, instituições de elite conseguiram se virar melhor com as novas exigências. Ainda assim, com críticas.
Uma das escolas mais tradicionais de São Paulo, o Colégio Santa Cruz tem mensalidades na casa de R$ 6.000 e 730 alunos no Ensino Médio. Antes da aprovação do NEM, a escola já discutia a importância de um núcleo comum forte, destinado a todos, e a oferta de escolha para os alunos - justamente a base pedagógica da reforma.
Na verdade, o Santa já oferecia um leque amplo de disciplinas eletivas —a legislação anterior já abria as portas para essa possibilidade. O NEM obrigou a escola a reorganizar a oferta. Condições infraestruturais adequadas —horário remunerado para o planejamento das disciplinas, discussão coletiva com os professores, avaliação constante dos objetivos— garantiram que o corpo docente se sentisse mais "autor" da proposta.
Mas há dúvidas se a reforma trouxe ganhos ou apenas engessou o currículo anterior.
Ainda em 2017 —portanto, antes da implantação do NEM—, eletivas como História do Oriente, cursos de Lógica e de Cálculo, História da África Contemporânea, Nanotecnologia, Psicologia, Neurociências, Mitologia e Economia passaram a compor o leque de opções para os estudantes. "Como não havia a obrigatoriedade de compor os itinerários formativos, pudemos criar escolhas bastante livres para os alunos, sem que precisassem se encaixar, obrigatoriamente, em uma única área do conhecimento"¸ comenta Marina Nunes, diretora de Ensino Médio do Santa.
Com a reforma de 2021, a principal dificuldade foi encaixar a parte diversificada, agora na forma de itinerários, como previa a legislação, com as disciplinas do núcleo comum. Como o NEM previa um máximo de 1.800 horas para as matérias tradicionais (Matemática, Língua Portuguesa, Física, Geografia etc.), havia o risco de enfraquecer a formação básica. A solução foi trabalhar o aprofundamento de temas próprios das disciplinas escolares em um bloco de aulas complementares, dentro dos itinerários. As eletivas de livre escolha também foram incorporadas aos itinerários e criou-se duas trilhas —uma com ênfase em Ciências da Natureza e outra em Ciências Humanas.
"Quando o Novo Ensino Médio chegou, implementamos as mudanças aos poucos. A escolha do aluno ficou espalhada ao longo dos anos. Ele passa a ter mais possibilidade de escolhas a partir do segundo ano", conta Monaliza Fonseca, professora de Física e do Laboratório de Investigação em Ciências (Labic) do Santa Cruz. Ela, ao lado de outros professores, participou das reuniões conduzidas pela direção para o planejamento do modelo a ser implantado com o Novo Ensino Médio.
A possibilidade de um planejamento coletivo e menos direcionado do que em outras instituições tende a exigir mais tempo para se definir o projeto. Por outro lado, permite se chegar a uma solução com uma marca autoral das escolhas docentes para o currículo
A vantagem sobre instituições com menos recursos fica evidente, por exemplo, na comparação das aulas focadas no projeto de vida dos jovens. Os estudantes do Santa Cruz já contavam com uma disciplina chamada "orientação educacional", lecionada por psicólogos ou pedagogos da equipe —profissionais qualificados para a disciplina. Os temas vão de organização escolar a desenvolvimento afetivo, de respeito às diferenças a questões ligadas à violência.
Uma aluna bolsista do colégio diz que as aulas de "Projeto de Vida" na rede pública contavam apenas com "dicas de autoconhecimento" que não pareciam tão úteis. Eram aulas nas quais passava boa parte do tempo mais lendo textos do que dialogando com o professor.
Em 2023, no terceiro ano de implantação do NEM, a sensação é de mais perdas do que ganhos. "No nosso caso, estávamos muito satisfeitos com o currículo que tínhamos até 2021, porque era bem equilibrado", afirma a diretora Marina. "Acreditamos que tínhamos um leque de escolhas interessante para nossos alunos sem precisar enquadrá-las em itinerários específicos nem prejudicar as disciplinas básicas do Ensino Médio. Aqui elas seguem sendo essenciais para a formação do pensamento, do repertório e das habilidades mais complexas dos nossos jovens", finaliza.
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