Progressão escolar amplia desigualdade racial, diz estudo
No começo da escolarização básica, alunos negros e brancos partem de condições desiguais. No final dela, estão ainda mais distantes. É o que indica um levantamento do Cedra (Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais), divulgado hoje (11), com cerca de 70 dados inéditos sobre escolaridade com recorte de cor/raça.
Um exemplo prático é a taxa de distorção idade-série - o número de alunos que, por repetência ou evasão, estão 2 ou mais anos atrasados em relação à idade adequada para a escolarização. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), 13% dos estudantes negros e 6% dos brancos se encontram nessa condição. No Ensino Médio, os índices são, respectivamente, de 31% e 17%. Como consequência, a Educação de Jovens e Adultos - modalidade dedicada a quem precisou interromper a escolarização - tem 28 negros para cada 10 brancos matriculados.
A pesquisa do Cedra compila microdados do Censo Escolar e da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios), do IBGE. "Na média, a situação melhorou entre 2012 e 2019 [período dos dados analisados], mas as desigualdades seguem se acumulando conforme negros e brancos avançam na escolarização", afirma o físico Marcelo Tragtenberg, integrante do Conselho Deliberativo do Cedra.
São diversos os retratos das diferenças: negros são maioria nas escolas públicas; brancos, nas particulares. Escolas com estudantes de famílias ricas são predominantemente brancas; as pobres, predominantemente negras. Entre a população de mais de 60 anos, a taxa de analfabetismo é de 31% entre negros e 12% entre brancos. O total de pessoas com mais de 15 anos sem instrução ou com fundamental incompleto é de 38% entre negros, 27% entre brancos. Em geral, a população negra atinge agora os índices que os brancos já atingiram 10 anos atrás.
Tratemberg chama a atenção para um indicador que ajuda a explicar a amplificação da desigualdade. Durante o período analisado, professores do Ensino Fundamental com formação adequada - com curso superior na área da disciplina que lecionam - eram 62% nas escolas predominantemente brancas, mas apenas 33% nas predominantemente negras.
Isso nos aponta que o ensino nas escolas periféricas, justamente as que mais precisam de professores qualificados, tende a ser pior. Faria sentido pensar em uma remuneração maior para atrair bons docentes para essas instituições, como ocorre na França.
Marcelo Tragtenberg, integrante do Conselho Deliberativo do Cedra
O especialista afirma que o salário diferencial é um exemplo de política afirmativa, que não se resume a cotas ou reserva de vagas. "Assim como a ideia de bolsa para incentivar a permanência dos alunos mais vulneráveis, seja por recorte racial ou social.".
Ações afirmativas, aliás, são responsáveis pelo único segmento em que houve alterações significativas no período: o ensino superior público. A reserva de vagas em universidades federais para estudantes de escola pública, pessoas de famílias de baixa renda, com deficiência, quilombolas e pretos, pardos e indígenas alterou fortemente a composição racial dessas instituições. Já em 2018, a Pnad apontava que pretos e pardos eram maioria nas universidades públicas federais.
O avanço, entretanto, não se fez sentir no segmento como um todo. Isso porque o ensino superior é predominantemente particular, ocupado sobretudo por brancos. Em 2012, a taxa de pessoas brancas no ensino superior era de 26,4%, e a de negros, 13,4%. Em 2019, 27,6% dos brancos e 14,8% dos negros estavam na universidade. O acesso melhorou, mas a distância permaneceu.
"Os dados reforçam a importância tanto das políticas de permanência quanto das ações para melhorar o acesso da população negra nas diferentes etapas da escolarização", finaliza Tragtenberg.
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