'Chorei sem saber o que ensinar', diz professora sobre novo ensino médio
Esta é a quarta e última reportagem da série que a coluna divulgou sobre a realidade do novo ensino médio em quatro escolas paulistas. Duas delas são privadas e duas são públicas — caso da perfilada deste texto, a E. E. Professor Armando Gomes de Araújo. Leia a primeira, a segunda e terceira reportagens da série.
Em uma aula de itinerário formativo para a turma do 3° B da Escola Estadual Armando Gomes de Araújo, a professora Cilene Santana, historiadora, precisa passar um vídeo. É uma recomendação do Mappa — Material de Apoio ao Planejamento e Práticas do Aprofundamento, um conjunto de recursos disponibilizados aos docentes pela Seduc-SP (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo). Cilene é a responsável pelo aprofundamento "A Cultura do Solo".
Antes de apertar o play, os alunos perguntam sobre a duração do vídeo:
- 24 minutos — ela responde.
- Ah, não, professora! É muito longo! — um dos estudantes reclama em nome da sala. A docente concorda, e começa a procurar um vídeo mais curto para prender a atenção dos jovens.
É uma cena comum na Armando Gomes do Araújo, escola do Itaim Paulista, no extremo leste paulistano, desde a chegada no novo ensino médio: resistência à aplicação das orientações da Seduc nas salas de aula.
Cilene já havia passado todas as atividades sugeridas pelo material de apoio, mas ainda havia aulas adiante — o Mappa não cobre todo o período. Para não ficar sem conteúdo, ela precisou reapresentar lições. Os estudantes, novamente, reclamaram da repetição.
Foi preciso buscar uma nova estratégia. A docente passou a reservar aulas dos aprofundamentos para dar conteúdos sobre a sua formação original, com os quais possui mais afinidade e se sente mais à vontade.
"Desde que o meu planejamento de aula com base no Mappa terminou, tive que conversar com os alunos para entender quais conteúdos a mais eu poderia trazer", afirma. "Eles me pediram assuntos de História que caem muito no Enem."
Em nota para esta série de reportagens, a Secretaria de Educação de São Paulo (Seduc - SP) afirma que os conteúdos dos materiais de apoio do Novo Ensino Médio foram elaborados "levando em consideração a matriz curricular e a carga horária estabelecidas para cada itinerário formativo, bem como possíveis alterações no calendário escolar e particularidades de cada unidade de ensino".
Novo ensino, velhos problemas
Bem antes da adoção do novo ensino médio, a Armando Gomes de Araújo já apresentava problemas de infraestrutura e disponibilidade de recursos aos seus estudantes. A nova proposta — cujo futuro se encontra em suspenso, à espera da votação de sua revisão pelo Congresso Nacional — só agravou as dificuldades.
A instituição possui turmas de manhã e à noite. Entre os 805 alunos, além de estudantes do ensino médio e da EJA (Educação de Jovens e Adultos), há uma turma do Novotec Integrado, modalidade da rede estadual que concede ao estudante um certificado de conclusão do Ensino Médio com habilitação técnica.
"Começamos com uma turma de 40 e, hoje, temos menos de 20 alunos que comparecem às aulas do Novotec. A maioria foi desistindo com o tempo", diz Gabriel Barros, vice-diretor da escola.
Segundo Barros, muitos estudantes tinham a expectativa de que o oferecimento do ensino técnico seria um fator positivo, mas hoje se queixam da redução das aulas de disciplinas tradicionais para acomodar o currículo em cultura digital, que consideram fraco. O resultado foi o abandono do curso.
O técnico também atrapalhou o oferecimento de disciplinas dos itinerários formativos — a parte diversificada do currículo, com aprofundamentos como o ministrado por Cilene. As aulas de Novotec ocupam duas salas da Armando, incluindo a de informática. Os alunos das turmas de itinerário não conseguem utilizar esse espaço para seus estudos.
Outro problema enfrentado pela gestão escolar foi a falta de recursos para o oferecimento de eletivas aos estudantes.
Em 2020, a Armando chegou a realizar o chamado "Feirão de Eletivas", mas as opções de disciplinas não eram muitas e nem todos os alunos manifestaram interesse nas que estavam disponíveis.
A partir do ano seguinte, já em meio à pandemia, o colégio passou a determinar as eletivas segundo a atribuição de cada professor. Isto significa que, primeiro, a turma é atribuída a um docente e, em seguida, o docente leciona um conteúdo diretamente negociado com os alunos.
O entendimento dos itinerários foi igualmente complicado. A Diretoria de Ensino solicitou que a escola indicasse quais itinerários formativos possuía interesse em oferecer no primeiro ano do novo formato, de acordo com a lista de dez opções divulgada pelo Estado.
"Os professores olharam a solicitação da Diretoria e viram que não sabiam como montar aquele documento", afirma Barros. No final, o oferecimento das disciplinas se deu de acordo com a disponibilidade dos professores. Nem todos os alunos conseguiram ficar na turma do itinerário apontado como primeira opção.
A disciplina "Projeto de Vida" também causa polêmica. O vice-diretor diz que a maioria dos estudantes reclama da forma como os conteúdos são abordados, evitando expor suas vidas pessoais. São perguntas provocadoras que exigem que o aluno discorra sobre o ambiente dentro de casa, o que gera desconforto. Constantemente, alunos vinham reclamar de quão invasiva a disciplina é.
Alívio e choro
No caso de Cilene, alguns itens do seu itinerário ainda são um desafio para ela, que costuma dizer à turma que suas aulas são como um "seminário".
É algo que eu não possuo conhecimento total, mas que eu estou explicando para alguém ao mesmo tempo.
Cilene Santana, professora
Segundo ela, quando informa à turma "hoje vamos ter seminário", os alunos sabem que é um assunto que a professora não domina, mas que pesquisou para tentar ensiná-los.
Cada semana que se passa é um alívio para a docente: uma nova etapa com conteúdos concluídos. Mesmo assim, as tardes de domingo se transformaram em momentos de apreensão, com a preparação dos materiais da semana seguinte a partir de um material de apoio pedagógico escasso.
Teve um domingo em que eu comecei a chorar porque eu não sabia qual conteúdo daria aos meus alunos na semana seguinte.
Cilene
O que diz a escola
Após a publicação da reportagem, a diretoria da escola enviou uma nota de esclarecimento na qual afirma que a professora teve "todo o suporte e orientação durante o ano letivo" por meio de "Atividades de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPCs)" e de "Orientações Técnicas fornecidas pela Diretoria de Ensino". Diz também que "as informações dos alunos se sentindo vexados pelas perguntas do material" da disciplina Projeto de Vida são "de anos anteriores e não do ano passado".
*Matheus Zanin, que apurou e escreveu o texto, defendeu trabalho de conclusão de curso em jornalismo na USP (Universidade de São Paulo) sobre o assunto.
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