Conferência propõe 'cavalo de pau' na educação e pressiona MEC
A Conae (Conferência Nacional de Educação) terminou hoje (30) em Brasília com a aprovação de um texto final que deve pressionar o Ministério da Educação na construção do novo PNE (Plano Nacional de Educação).
Entre as propostas aprovadas estão a revogação da Reforma do Ensino Médio e da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Ou seja, as principais políticas da gestão Temer, aprofundadas sob Bolsonaro e até aqui mantidas sob Lula 3.
O texto da Conae serve de base para o projeto de lei que o MEC deve enviar ao Congresso para transformar o PNE em lei.
Com validade de 10 anos, o plano é — ou deveria ser — a política de estado que deve ser cumprida independentemente da gestão eleita. Estabelece metas para acesso e permanência da escola, qualidade do ensino, expansão da educação pública, estipula níveis adequados de investimento e disciplina instrumentos de gestão, avaliação e fiscalização.
As principais propostas incluem:
- Revogação do Novo Ensino Médio e substituição por um novo modelo em tramitação no Congresso (PL 2601/2023 e PL 5230/2023).
- Revogação da Base Nacional Comum Curricular e substituição por um novo projeto curricular a ser construído.
- Revogação da BNC Formação, política de formação de professores que deve ser substituída pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para as licenciaturas.
- Universalização da pré-escola a partir dos 4 anos, do Ensino Fundamental de 9 anos e garantia de educação para toda a população até 17 anos.
- Triplicar matrículas da educação profissionalizante no Ensino Médio.
- Educação de tempo integral (sete horas) para pelo menos 50% dos estudantes.
- Padrões de qualidade para a educação a distância.
- Implantação efetiva do custo aluno-qualidade, patamar mínimo a ser investido considerando critérios de qualidade de ensino e não o orçamento disponível.
- Investimento de 10% do PIB em educação.
Isso tudo na teoria. Na prática, por falta de sanções para seu cumprimento — algo a cargo da Lei de Responsabilidade Educacional, que ainda não existe —, o PNE pode ser desvirtuado, limitado ou virar obra de ficção (como nos governos Temer e Bolsonaro).
Ainda assim, serve como instrumento de pressão do autodenominado "campo popular" ou pelo "direito à educação" sobre a titubeante gestão de Camilo Santana no Ministério. Há o aspecto simbólico de cobrar que a lei seja cumprida. Ou seja: mesmo capenga, a existência do PNE serve para a sociedade civil cobrar uma educação mais decente. Daí a disputa pela feição final do plano.
Resumindo muito, há três principais forças no polarizado terreno de disputa das políticas educacionais, cada uma com concepções bem diferentes do que deveria ser a educação.
Mais à esquerda, o campo popular reúne as entidades de representação de professores e alunos, pesquisadores de universidades públicas, sindicatos e associações. Foram as forças majoritárias na Conae.
À direita, as fundações e institutos empresariais, de feição neoliberal e com interlocução no atual MEC.
E à extrema-direita, o bolsonarismo e suas pautas antieducacionais, como homeschooling, pânico moral quanto à questão de gênero e militarização das escolas. Houve uma tentativa frustrada de ocupar a conferência, mas sua força em um Congresso conservador não é desprezível.
Fica assim montado o tabuleiro de xadrez:
- o campo popular puxa a corda para a agenda progressista com o texto da Conae (cujos elaboradores rejeitam o rótulo de "radical" -- dizem que estão orientadas pelo que determina a Constituição Federal e o PNE vigente, o que é verdade);
- a direita empresarial incide junto ao MEC para mexer no PL que vai ao Congresso (na cerimônia de encerramento, o ministro Camilo Santana foi recebido aos gritos de "fora, Lemann", alusão à fundação comandada pelo bilionário brasileiro);
- e as três forças vão atuar junto a deputados e senadores na batalha pela relatoria, emendas e votações para a aprovação do plano.
Deve demorar — o PNE 2014-2024 tramitou por quatro anos antes de ser aprovado.
E deve ser sangrento — o plano anterior foi o PL mais emendado desde a aprovação da Constituição, em 1988. Com um Congresso mais conservador e polarizado, vai ser pior.
Há ainda a questão do orçamento. O PNE gestado sob o governo FHC subiu aos céus quando o então presidente vetou o artigo que estipulava uma fatia de 7% do PIB para a educação. A versão atual foi aprovada sem vetos por Dilma Rousseff, mas a determinação de investir 10% do PIB na área é uma miragem — o gasto atual gira em torno de 5,5%, insuficiente para um país que precisa dar um salto de qualidade como o Brasil.
Como tudo em política, prioridade sem dinheiro no bolso é discurso vazio.
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