Não dá para Brasil ser líder climático e extrair petróleo até a última gota
Profissionais brasileiros que atuam nas áreas de transição energética e mudanças climáticas viajam nos próximos dias para a COP29, em Baku, praticamente sem sair do país: a grande preocupação paira em torno dos preparativos para a COP30, que acontece em Belém no ano que vem.
Mais do que os desafios naturais de um evento dessa envergadura, a questão é como o Brasil confirma seu papel de liderança ambiental e, ao mesmo tempo, lida com o paradoxo de defender o aumento da exploração e produção de petróleo e gás natural.
A possibilidade de phase away dessas fontes fósseis, incluída na declaração final da COP28 de Dubai, permitiu algum alívio, tendo em vista que, anteriormente, a mera inclusão do termo "combustíveis fósseis" no texto era tida como impensável.
Mas os acontecimentos dos últimos meses - como o aquecimento recorde da maioria dos oceanos globais, ondas de calor em toda a parte e o aumento na intensidade dos furacões tropicais do Atlântico - reforçam a urgência de passarmos das declarações para ações práticas.
Nesse contexto, vale destacar os episódios dramáticos da enchente histórica que deixou o Rio Grande do Sul debaixo d'água por quase um mês e das secas que, combinadas com queimadas, destruíram imensas áreas de vegetação e colocaram diversas cidades brasileiras entre as mais poluídas do mundo.
A tendência é que o quadro só piore, tendo em vista a constatação pelos cientistas do clima de que não será possível evitar que o aumento médio da temperatura terrestre passe de 1,5 ºC e que a frequência e a gravidade dos eventos climáticos extremos continuem aumentando.
É incompreensível que empresas e organizações ignorem o sinal dado na última COP e sigam defendendo a expansão do uso das fontes fósseis de energia. Pior, atuem para incorporar o discurso da transição energética nessa direção.
Seus argumentos passam pelo uso da receita obtida com a produção de petróleo e gás natural para financiar a transição, além do desenvolvimento, pelas próprias empresas, de projetos de energia limpa ou de captura e estocagem de carbono, numa contabilização que invariavelmente pende de maneira muito significativa para aumentos das emissões.
Discursos semelhantes são observados no setor elétrico, com a defesa do aumento da geração térmica como forma de aumentar a segurança do abastecimento em meio ao crescimento da participação das fontes variáveis eólica e solar.
A verdadeira contribuição que o setor de combustíveis fósseis pode oferecer à transição energética é direcionar a receita gerada por seus ativos atuais para uma transformação genuína de suas atividades. Isso significa utilizar sua expertise técnica e capacidade de inovação em segmentos voltados a fontes de energia limpa, como biorrefinarias, combustíveis avançados - incluindo o SAF, combustível sustentável para aviação - e aproveitamentos diversos de carbono biogênico.
Afinal, a transição precisa contemplar a redução da produção e do consumo de combustíveis fósseis e evitar sua perpetuação.
É evidente que essa redução não deve ser feita de uma hora para outra, tendo em vista o quão profundamente esses elementos estão presentes na nossa economia e quão dependentes da renda do petróleo são diversos estados e municípios, sem falar na própria força de trabalho envolvida. Ela deve ser gradual e bem planejada.
Mas a possibilidade de o país iniciar novos ciclos de investimentos na produção de petróleo e gás vai na contramão disso, na medida em que prolonga a expansão de uma infraestrutura de longa vida útil associada a uma alta taxa de emissão de poluentes, tornando ainda mais difícil uma transição efetiva para infraestruturas e uso de fontes de energia menos carbono-intensivas.
Além disso, decisões de investimentos tomadas hoje tendem a se concretizar apenas em médio prazo, quando as fontes fósseis deverão ter perdido espaço em favor do protagonismo da energia limpa e de outras soluções de descarbonização. Tais decisões, portanto, acabariam por acentuar nosso aprisionamento tecnológico em investimentos que dificilmente serão recuperados.
Ao contrário, além de promover a eliminação gradual da exploração e produção de combustíveis fósseis, o Brasil deve assumir um protagonismo climático. Riquíssimo em recursos naturais e humanos, o país encontra nesse papel uma oportunidade não apenas necessária para a preservação do planeta, mas também para impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento sustentável. Essa liderança abre portas para uma economia verde e fortalece o Brasil em mercados que cada vez mais demandam produtos de baixas emissões de gases de efeito estufa.
As organizações voltadas à produção de petróleo e gás deveriam utilizar sua alta capacidade de investimento e mobilização industrial para se destacarem nesse novo cenário, posicionando-se como provedoras de soluções de baixo carbono. Isso passa pela diversificação dos portfólios das empresas, de modo que se transformem em companhias integradas de energia.
Essa trajetória não pode ficar limitada a promessas, relatórios de sustentabilidade ou operações marginais nas atividades das companhias: galgar o posto de liderança climática não condiz com a possibilidade de extrairmos até a última gota das nossas reservas de petróleo. Muito pelo contrário, pressupõe que empresas e governos façam a sua parte para que os problemas do clima realmente possam ser enfrentados. E essa transição é chave se o país realmente quiser confirmar o papel que ambiciona entre as potências num mundo pós-fósseis.
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