Financiamento climático deve olhar para soluções imediatas de transição
"O financiamento climático não é caridade, é um investimento, e a ação climática não é opcional, é imperativa". O alerta foi feito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da Cúpula de Ação Climática dos Líderes Mundiais, o segmento ministerial da COP29, no início da semana passada.
Exemplos dessa matemática incluem o fato de que os impactos climáticos já estão afetando o PIB de diversos países, enquanto o aumento dos gastos das famílias e empresas podem causar pressões inflacionárias.
Evidentemente que essa preocupação é maior entre os países pobres ou em desenvolvimento que, em princípio, dispõem de infraestruturas mais precárias, menos recursos para a mitigação de danos e projetos de redução de emissões, e que já estão sofrendo de maneira significativa com os impactos dos eventos climáticos extremos. De qualquer forma, países ricos não estão isentos de problemas, como se verificou recentemente nas enchentes em Portugal e na Espanha, ou na temporada de furacões tropicais nos Estados Unidos e Caribe.
Mas, apesar dessa urgência e da questão do financiamento climático estar entre as prioridades desta COP, as negociações têm sido intensas e desafiadoras desde o início dos debates. As divergências vão da origem à finalidade dos recursos, incluindo também dúvidas até mesmo sobre as definições que devem ser consideradas, evidenciando a complexidade de se alinhar diferentes perspectivas e interesses nacionais.
Uma amostra disso é a visão dos diversos países sobre a questão da transição energética justa. Por um lado, países mais pobres defendem que o conceito contemple aspectos estruturais de desenvolvimento, de modo a poderem contar com recursos que lhes permitam adaptar suas economias às novas exigências, em especial para garantir a sustentabilidade econômica de regiões que ainda dependem de atividades de alta intensidade de carbono.
Em contrapartida, países desenvolvidos tendem a limitar o escopo da transição justa à proteção de direitos trabalhistas e sociais, incluindo a criação de programas de apoio para a recolocação de trabalhadores afetados pelas medidas relativas à descarbonização das economias. Essas nações argumentam que a transição justa deve centrar-se na criação de empregos verdes e no fortalecimento dos direitos sociais, sem necessariamente garantir financiamento para as ações de transição que envolvam populações específicas nos países em desenvolvimento.
No caso do Brasil, outra preocupação em torno das definições relativas ao financiamento climático diz respeito à tendência de se focar, no contexto da transição, em investimentos em projetos tidos como inovadores, como a produção de hidrogênio de baixas emissões ou a instalação de sistemas de armazenamento de energia elétrica.
Essas tecnologias são extremamente relevantes e devem ter seu espaço, mas não é preciso ir tão além neste momento, já que contamos com alternativas técnica e economicamente viáveis para a descarbonização imediata de diversos setores - como a indústria pesada que dificilmente pode ser eletrificada e os sistemas de transporte. Essas alternativas passam por biocombustíveis sustentáveis certificados (inclusive para os setores aéreo e marítimo), biometano obtido a partir de resíduos agropecuários e urbanos precificado para competir com o gás natural, e carvão vegetal sustentável produzido em áreas degradadas.
Claro que o financiamento desse tipo de projeto não pode perder de vista o risco de a expansão da produção das biomassas ameaçar ecossistemas naturais, como as florestas tropicais. Sem dúvida essa preocupação é relevante, particularmente diante dos índices elevados de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, e do impacto histórico da monocultura de palma no Sudeste Asiático. Mas a diversidade de instrumentos financeiros e mecanismos de controle disponíveis podem endereçar essas questões.
Além disso, do ponto de vista específico da transformação industrial, destaque para a necessidade de financiamento para ações robustas de eficiência energética nos processos produtivos, bem como para a reciclagem. Neste caso, em particular, são necessários principalmente ajustes logísticos que viabilizem a separação dos materiais e aumentem o uso de sucata na siderurgia e de cacos na indústria vidreira, entre outros.
O fato é que a importância do tema para o Brasil impõe aos nossos representantes em Baku um desafio que vai muito além da definição dos montantes em favor da transição das economias mais pobres para o baixo carbono: é preciso garantir também que esses recursos atinjam as soluções mais simples e imediatas da transição, de modo que ela seja mais rápida, justa e economicamente viável.
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