Por que a Alemanha revisitar hidrogênio verde pode ser boa notícia
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O partido CDU, aparente favorito das eleições parlamentares alemãs deste ano, questiona o passo, o plano e o custo do país para incorporar o hidrogênio de baixas emissões na descarbonização de sua economia, como mostra reportagem da agência de notícias Stern.
A indicação é vista com preocupação entre especialistas dedicados à questão climática, dada a relevância da Europa no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa e à pauta climática em geral.
Mas, independentemente de ser aplicada de fato, a possibilidade provoca uma reflexão sobre até que ponto não seria o caso de se fazer ajustes nessa trajetória de transição energética para torná-la mais justa e eficiente tanto para os alemães como para o Brasil.
Nos últimos anos, a Alemanha vem patrocinando uma série de programas em países com matrizes elétricas relativamente limpas ou com grande potencial de fontes renováveis para o desenvolvimento de mercados produtores de hidrogênio a partir de eletrólise.
No nosso caso, já foram fechadas diversas parcerias com portos para implantação de projetos do tipo. De maneira geral, os programas contemplam também unidades para a transformação do hidrogênio em amônia e adequações na infraestrutura portuária para permitir sua exportação. O combustível contribuiria com a descarbonização da indústria alemã.
Sem dúvida, a viabilização desses projetos pode ser parte importante do esforço transnacional contra as mudanças climáticas. Por aqui, eles também se destacam pela possibilidade de movimentar investimentos relevantes em geração de eletricidade e no setor portuário. Mas o custo elevado e outros desafios têm preocupado cada vez mais.
A movimentação do combustível apresenta desafios técnicos cuja solução depende de muito investimento em pesquisa e desenvolvimento. Para se ter uma ideia, válvulas e tubulações usadas para o manuseio de gás natural (composto principalmente de metano) não necessariamente servem para o hidrogênio, uma vez que suas moléculas têm dimensões muito inferiores às daquele, o que pode causar trincas e vazamentos.
Outro problema é a baixa eficiência do processo: as transformações de eletricidade em hidrogênio, deste em amônia, e desta novamente para o hidrogênio, bem como seu transporte via Oceano Atlântico e dentro do continente europeu implicam em perdas energéticas relevantes e altíssimo custo.
Para o Brasil, por sua vez, esse tipo de operação tem o viés de agregar relativamente pouco se comparado com o potencial do uso direto desse hidrogênio pela indústria nacional, de modo que sua exportação se dê prioritariamente em bens de maior complexidade industrial.
Sem dúvida, as vendas externas de hidrogênio serão importantes neste início do desenvolvimento do segmento para a formação do mercado e a superação de desafios técnicos.
Mas não podemos perder de vista a possibilidade de adensamento industrial em torno dos polos produtores do insumo, que permitiriam ao Brasil extrair pleno valor econômico e social de suas riquezas e reverter a tendência de majoritariamente se posicionar no início das cadeias de valor globais.
O fato é que podemos fazer muito mais e com melhores resultados usando nossos recursos limpos para a descarbonizar nossas próprias operações industriais.
Ou seja, combinando o enorme potencial de fontes renováveis de energia com outras características que favorecem o nosso protagonismo nas transformações necessárias no contexto da transição: um parque industrial robusto, infraestrutura, matérias primas e mão de obra capacitada, entre outros elementos fundamentais para a expansão e a modernização da produção fabril de baixo carbono.
Além disso, a exportação desses produtos industriais para a Alemanha contribuiria de maneira mais eficiente e econômica para a descarbonização daquele país, ao mesmo tempo em que adicionaria valor mais significativo à balança comercial brasileira, criando por aqui empregos de qualidade, favorecendo nosso desenvolvimento econômico com distribuição mais equitativa e democrática da renda.
Considerando esses aspectos, encontrar o ponto de equilíbrio em termos de eficiência econômica, mitigação de emissões, distribuição da criação de valor e de empregos mostra-se a melhor alternativa de parcerias internacionais entre os dois países. Isso é o "ao vivo" da geopolítica modulada pela questão climática!
Evidentemente que esse tipo de parceria contempla alta complexidade, tendo em vista que representa uma mudança significativa na mentalidade e no paradigma de comércio internacional atuais. Um preço bem baixo se forem consideradas as vantagens do novo modelo para ambas as partes.
3 comentários
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Arthur Eduardo Freitas Heinrich
Eletricidade já é uma forma de energia controlável. Basta que seja produzida sem a emissão de CO2, como a energia nuclear, que além de limpa, não sofre flutuações como a hidrelétrica, solar e eólica, funciona 24/7 e causa muito menos impactos ambientais que as demais. Pegar essa energia elétrica e produzir hidrogênio, gera desperdício de energia.
João Carlos Marini
Educação, pesquisa, uso correto de nosso incrível potencial. Tudo isso levará o Brasil a alavancar sua economia e galgar posições entre os paises mais desenvolvidos.
Marcos Alexandre Teixeira
Aqui um trabalho da Universidade Federal Fluminense avaliando o potencial de produção de hidrogênio verde no setor agrícola nacional, muito hidrogênio (e biomethano), que poderia ser gerado no tratamento dos resíduos dos abatedouros! *