Rosana Santos

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Opinião

Por que a Alemanha revisitar hidrogênio verde pode ser boa notícia

O partido CDU, aparente favorito das eleições parlamentares alemãs deste ano, questiona o passo, o plano e o custo do país para incorporar o hidrogênio de baixas emissões na descarbonização de sua economia, como mostra reportagem da agência de notícias Stern.

A indicação é vista com preocupação entre especialistas dedicados à questão climática, dada a relevância da Europa no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa e à pauta climática em geral.

Mas, independentemente de ser aplicada de fato, a possibilidade provoca uma reflexão sobre até que ponto não seria o caso de se fazer ajustes nessa trajetória de transição energética para torná-la mais justa e eficiente tanto para os alemães como para o Brasil.

Nos últimos anos, a Alemanha vem patrocinando uma série de programas em países com matrizes elétricas relativamente limpas ou com grande potencial de fontes renováveis para o desenvolvimento de mercados produtores de hidrogênio a partir de eletrólise.

No nosso caso, já foram fechadas diversas parcerias com portos para implantação de projetos do tipo. De maneira geral, os programas contemplam também unidades para a transformação do hidrogênio em amônia e adequações na infraestrutura portuária para permitir sua exportação. O combustível contribuiria com a descarbonização da indústria alemã.

Sem dúvida, a viabilização desses projetos pode ser parte importante do esforço transnacional contra as mudanças climáticas. Por aqui, eles também se destacam pela possibilidade de movimentar investimentos relevantes em geração de eletricidade e no setor portuário. Mas o custo elevado e outros desafios têm preocupado cada vez mais.

A movimentação do combustível apresenta desafios técnicos cuja solução depende de muito investimento em pesquisa e desenvolvimento. Para se ter uma ideia, válvulas e tubulações usadas para o manuseio de gás natural (composto principalmente de metano) não necessariamente servem para o hidrogênio, uma vez que suas moléculas têm dimensões muito inferiores às daquele, o que pode causar trincas e vazamentos.

Outro problema é a baixa eficiência do processo: as transformações de eletricidade em hidrogênio, deste em amônia, e desta novamente para o hidrogênio, bem como seu transporte via Oceano Atlântico e dentro do continente europeu implicam em perdas energéticas relevantes e altíssimo custo.

Para o Brasil, por sua vez, esse tipo de operação tem o viés de agregar relativamente pouco se comparado com o potencial do uso direto desse hidrogênio pela indústria nacional, de modo que sua exportação se dê prioritariamente em bens de maior complexidade industrial.

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Sem dúvida, as vendas externas de hidrogênio serão importantes neste início do desenvolvimento do segmento para a formação do mercado e a superação de desafios técnicos.

Mas não podemos perder de vista a possibilidade de adensamento industrial em torno dos polos produtores do insumo, que permitiriam ao Brasil extrair pleno valor econômico e social de suas riquezas e reverter a tendência de majoritariamente se posicionar no início das cadeias de valor globais.

O fato é que podemos fazer muito mais e com melhores resultados usando nossos recursos limpos para a descarbonizar nossas próprias operações industriais.

Ou seja, combinando o enorme potencial de fontes renováveis de energia com outras características que favorecem o nosso protagonismo nas transformações necessárias no contexto da transição: um parque industrial robusto, infraestrutura, matérias primas e mão de obra capacitada, entre outros elementos fundamentais para a expansão e a modernização da produção fabril de baixo carbono.

Além disso, a exportação desses produtos industriais para a Alemanha contribuiria de maneira mais eficiente e econômica para a descarbonização daquele país, ao mesmo tempo em que adicionaria valor mais significativo à balança comercial brasileira, criando por aqui empregos de qualidade, favorecendo nosso desenvolvimento econômico com distribuição mais equitativa e democrática da renda.

Considerando esses aspectos, encontrar o ponto de equilíbrio em termos de eficiência econômica, mitigação de emissões, distribuição da criação de valor e de empregos mostra-se a melhor alternativa de parcerias internacionais entre os dois países. Isso é o "ao vivo" da geopolítica modulada pela questão climática!

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Evidentemente que esse tipo de parceria contempla alta complexidade, tendo em vista que representa uma mudança significativa na mentalidade e no paradigma de comércio internacional atuais. Um preço bem baixo se forem consideradas as vantagens do novo modelo para ambas as partes.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

3 comentários

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Arthur Eduardo Freitas Heinrich

Eletricidade já é uma forma de energia controlável. Basta que seja produzida sem a emissão de CO2, como a energia nuclear, que além de limpa, não sofre flutuações como a hidrelétrica, solar e eólica, funciona 24/7 e causa muito menos impactos ambientais que as demais. Pegar essa energia elétrica e produzir hidrogênio, gera desperdício de energia.

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João Carlos Marini

Educação, pesquisa, uso correto de nosso incrível potencial. Tudo isso levará o Brasil a alavancar sua economia e galgar posições entre os paises mais desenvolvidos.

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Marcos Alexandre Teixeira

Aqui um trabalho da Universidade Federal Fluminense avaliando o potencial de produção de hidrogênio verde no setor agrícola nacional, muito hidrogênio (e biomethano), que poderia ser gerado no tratamento dos resíduos dos abatedouros! *

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