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Sandra Caselato

Escola: Formando bonecos de pau ou sujeitos pensantes?

Alunos brincam em pátio de escola de São Paulo - Simon Plestenjak/UOL
Alunos brincam em pátio de escola de São Paulo Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Sandra Caselato

08/12/2020 04h00

Durante meu período escolar, tive a oportunidade de experimentar diferentes tipos de escola e de ensino. Estudei em escola particular e estadual e tive contato com metodologias tradicionais e alternativas.

Meus primeiros anos escolares foram bastante tradicionais, aprendi a ler com cartilhas que ensinavam o bê-a-bá conforme aprendíamos a ler "vovó viu a uva" e outras frases descontextualizadas da realidade do meu dia a dia. Aprendi a decorar a tabuada e datas e fatos históricos como o "descobrimento" do Brasil, sem questionar ou pensar a respeito do significado do que estava aprendendo. Eu era a aluna ideal: só tirava notas boas, era obediente, quietinha e apática.

Na escola estadual, cantávamos o hino nacional e hasteávamos a bandeira do Brasil no pátio do colégio uma vez por semana, sempre às quartas-feiras, enfileirados por ordem de altura e por turma. Também me lembro de cantarmos, todos juntos, puxados pela diretora da escola, a música "Jesus Cristo" de Roberto Carlos antes de seguirmos em fila e em silêncio, cada turma para sua sala de aula. Ambas as coisas me incomodavam, mas fazer o que? Eu obedecia mexendo a boca, fingindo que cantava.

Dos 10 aos 11 anos de idade estudei em uma escola alternativa durante um ano. Foi uma experiência radicalmente diferente das anteriores e muito transformadora. Os professores nos incentivavam a pensar, questionar, conversar e debater a respeito do que estávamos estudando, em vez de simplesmente decorar. Havia muitas árvores na escola e bastante tempo livre, o que possibilitava mais interação entre as crianças, fortalecimento das relações e amizades. Também podíamos desenvolver mais nossa criatividade. Me lembro de inventar histórias e escrever um livro, que encadernamos no final do ano, com os contos de todos os estudantes! Foi para mim uma experiência de empoderamento e desenvolvimento da autoconfiança.

Senti na pele a diferença entre os dois tipos de educação a que Paulo Freire se refere: uma passiva e outra ativa. Uma impõe a obediência, a submissão, promove a passividade e o conformismo em relação à realidade dada. A outra estimula o questionamento, a problematização, o engajamento e a criação de soluções para os problemas do mundo, favorecendo a consciência de que somos todos sujeitos ativos, parte integrante e transformadora da sociedade.

Foi muito difícil, no ano seguinte, voltar para uma escola tradicional, tendo que novamente decorar assuntos que não faziam sentido para mim. A partir daí aprendi a "sobreviver" a esse sistema fazendo o mínimo necessário para passar de ano.

Durante a maior parte da minha vida escolar me senti como se estivesse cumprindo pena num presídio, apenas esperando o tempo passar para, quem sabe, um dia ser finalmente livre. Não é à toa que, como nos conta Michel Foucault em "Vigiar e Punir", na Idade Moderna, as escolas, os presídios, as fábricas e os quartéis, exerciam o mesmo papel: "disciplinar" para criar "corpos dóceis", moldar condutas, controlar comportamentos, formatar pensamentos.

Depois de todo esse "treinamento" escolar, exercer a liberdade se torna bastante difícil quando não estamos acostumados.

No fim do ensino médio, tive a oportunidade de escolher um tema que me interessasse para pesquisar e escrever a respeito como trabalho final, um movimento bastante progressista da escola. Foi uma experiência terrível e dificílima pois eu havia me especializado em fazer apenas o que era determinado pelos professores, sem questionar. Não sabia o que me motivava, e minha curiosidade e interesse pelo mundo estavam dormentes.

Escolher o que prestar no vestibular também foi um suplício. Foi um processo demorado conseguir novamente me reconectar comigo mesma e encontrar um propósito para minha vida, não apenas pessoal mas também coletivo.

No livro "Pinóquio às avessas", Rubem Alves inverte a história original, na qual o boneco de madeira se transforma em criança de carne e osso à medida que vai à escola. A partir do ponto de vista de um menino de verdade, sonhador, esperto e cheio de vida, o autor questiona o modelo de ensino que molda os estudantes numa mesma forma, transformando-os em bonecos de pau.

Então me pergunto: o que queremos para nossas crianças? Uma escola que as transforma em bonecos de pau obedientes e sem vida, ou sujeitos pensantes, criativos e engajados coletivamente?