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Sérgio Luciano

A intenção de conexão e suas possibilidades de transformação

04/11/2020 04h00

Você já escutou, expressou, ou ao menos pensou, algumas dessas frases em ambientes organizacionais?

"Xiii, com fulano não tem jeito mesmo. Aquele ali só mandando embora da empresa para as coisas melhorarem."

"Tem pessoas que só fazem as coisas para ferrar com a gente e não há santo que dê jeito, viu."

"Aqui é todo mundo engolindo todo mundo. Se não ficar esperto, daqui a pouco alguém puxa o seu tapete para se dar bem e ficar com toda a glória."

Não há livro que dê conta de caber o tanto de frases assim que já me deparei, expressei e pensei ao longo de minha carreira. Se por um lado elas expressam um conformismo em as coisas serem como são, por outro elas refletem a dor de parecer que nada pode ser diferente, sendo que qualquer tentativa de humanização no meio corporativo tende ao fracasso.

Ao mesmo tempo, muito me alegra perceber (a partir de notícias, conversas e experiências que facilito) que uma cultura de violência intrinsecamente presente no universo corporativo, pouco a pouco, tem dado espaço a um olhar de não-violência, empatia, diálogo, acolhimento e vulnerabilidade.

E o fato de, possivelmente, muitas leitoras e leitores desse texto pensarem "mas o Sérgio não entende nada da realidade", "esse garoto tá no mundo da lua e acha que a vida é fofinha", ou qualquer outro pensamento nessa linha, ou ainda a própria ponderação que fiz sobre isso ser possível e previsível, já diz muito do quão presente é essa cultura de violência.

Se no nível sistêmico parece que nós, meros mortais, temos pouco poder de transformação, o que nos leva a imaginar que "nunca algo vai ser diferente", no nível individual temos uma enorme potência de ação e transformação nos ambientes onde transitamos. E quero te convidar a perceber essa potência a partir de uma escolha consciente de se conectar com o outro.

Não falo sobre nenhuma técnica. Nenhum jeito certo ou melhor de se expressar. O que proponho é, tão somente e antes de tudo, exercitar essa intenção em se conectar. E, a partir dessa intenção, explorar os desafios que surgem nessa mudança de atitude. Para isso, gosto de pensar essa intenção de conexão a partir de cinco aspectos práticos.

Primeiro, é importante cultivarmos uma desconstrução da imagem de inimigo. Isso significa se permitir transcender a lógica de que estamos apenas em lados opostos. Lembre dos exemplos do começo. Se já definimos o que o outro é ou deixa de ser, não mais buscamos a conexão. Estamos apenas alimentando as nossas verdades mesmo.

Quando cultivamos essa desconstrução da imagem de inimigo, criamos espaço para mais compreensão. Permitir-se ter curiosidade genuína sobre o que é importante para o outro, a partir da perspectiva dele, sem necessariamente tentarmos impor aquilo que achamos importante.

A busca por compreensão nos leva a uma atitude de escuta. Se dispor a escutar o que o outro tem a dizer, independente do que esperamos que ele diga. Claro que essa disposição é um grande desafio, visto que possivelmente isso esbarre em algumas crenças e valores que temos, né? Lembre-se que escutar o outro não significa concordar, ou deixar de lado o que valorizamos. É, apenas, estar presente para o que o outro tem a dizer.

Quando existe escuta, também existe espaço para diversidade. Múltiplos pontos de vista podem existir ao mesmo tempo, ao invés do tentador jogo de certo e errado. Novamente, quanto mais uma perspectiva é desafiadora às nossas crenças e valores, mais complexo é permitir que a mesma possa existir e ser expressada.

Por isso, e por último, tendo espaço para diversidade começa-se a surgir um terreno fértil para autoexpressão sem invalidação. Ambos podem expressar aquilo que é importante para si e essa expressão não precisa significar que a outra deve ser invalidada.

Essa intenção de conexão, no final das contas, pode contribuir para que sustentemos um espaço seguro e saudável entre nós, para juntas cuidarmos, como possível, de dois aspectos fundamentais numa organização: a manutenção do clima organizacional saudável (apesar das possíveis divergências) e atingimento de um objetivo maior e comum que compartilhamos, que é o propósito da mesma.

Certamente tudo seria muito mais simples e fácil se o outro começasse a fazer isso. Ou se a organização tivesse diretrizes específicas que promovessem essa cultura. Ou se o capitalismo não fosse nosso deus e salvador.

Porém, se nada disso está ao nosso alcance nesse momento, por que não fazermos escolhas conscientes de viver essa intenção de conexão naquilo que nos é possível e está ao alcance das mãos, pelo simples fato de acreditarmos que, do jeito que tá, não tá legal e nem saudável. Ao menos, não pra todos?

E tá tudo bem se, apesar dessa escolha, você se perceber incoerente e não conseguir sustentar o tempo todo essa uma disposição em se conectar com o outro. Não é um convite à santidade não, viu? Dá um trabalho do caramba, bem sei. E tá tudo bem também se você escolher não fazer nada diferente. São, apenas, escolhas.

Do lugar que existo e nos espaços que ocupo, me cabe, tão somente provocar. Afinal, se não agirmos em prol do que gostaríamos de ver/ter mais, em prol do que então agir?