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Tainá de Paula

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uma arma na cabeça: Qual o modelo de cidade segura e cidadã que queremos?

07.mai.2021 - Manifestantes realizam um protesto contra a operação da Polícia Civil na qual 25 pessoas morreram ontem, em frente à Cidade da Polícia, no Rio de Janeiro - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
07.mai.2021 - Manifestantes realizam um protesto contra a operação da Polícia Civil na qual 25 pessoas morreram ontem, em frente à Cidade da Polícia, no Rio de Janeiro Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Tainá de Paula

30/05/2021 06h00

Dias atrás, eu, parlamentar eleita na cidade do Rio de Janeiro, e mais três assessores fomos violentamente tratados numa "abordagem" policial, num episódio que varreu as redes sociais e veículos de comunicação.

No Brasil, segundo levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entre 2009 e 2016, 21.910 pessoas morreram em decorrência de intervenção policial no Brasil (FBSP, 2017). No mesmo período, 2.996 policiais também foram assassinados, sendo em sua maioria fora de serviço. Quase 50% dos autos de resistência culminaram em mortes fatais e resta provado que o aumento de armas aumenta a letalidade nas cidades. E o que uma abordagem policial dialoga com essa realidade?

A manutenção da política armamentista, além da intensificação da narrativa de guerra às drogas, corroboram para uma hipermilitarização dos territórios urbanos e uma escalada ao enfrentamento a uma suposta guerra invisível. A perpetuação de um método policial criou ao longo dos anos um espírito de resposta autoritária e repressiva nas forças policiais, que entendem a cidade como praças de conflito separadas por batalhões, casamatas do mundo contemporâneo. Além disso, as forças se aparelharam de influência política quase que autogestionada, em bases parlamentares sólidas, impactando em orçamentos vultosos e alto grau de corporativismo nas necessidades de punição: um Exército com alta fidelidade a seus integrantes e ideais, mesmo que reacionários e destacados dos ditames constitucionais.

Neste momento de enorme polarização social, em meio a guerras ideológicas autoritárias, ecos de radicalização, a mudança na política nacional de armas orquestrada pela nova política nacional e a nova dimensão do aparelhamento dos braços de controle policial (fim do GAESP - Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, as tentativas do Governo Federal de controlar as forças policiais do estados) demonstram que, abordagens policiais são parte de um enorme problema que na verdade é quase que um reflexo do contexto geral: uma arma na cabeça da vereadora é uma arma apontada para a constitucionalidade, que está sendo gradualmente exterminada.

E as outras cidades? O que as cidades estão refletindo sobre segurança? Bastante. O avanço tecnológico vem trazendo do urbanismo soluções como controle 3D das cidades, em tempo real, 24 horas por semana. Empresas vêm fornecendo bases de dados cada vez mais sólidas para as corporações policiais, no auxílio de foragidos e sentenciados em cumprimento de penas alternativas além cárcere, com tornozeleiras eletrônicas cada vez mais discretas e eficazes. A perspectiva da reabilitação e a inserção no meio social são práticas que figuram de um modelo a ser construído no Brasil. O desencarceramento, assim como a extinção da pressuposição da culpa são dois pilares fundamentais de uma nova prática de segurança cidadã. Chipagem de armas institucionais e controle por DNA de utilização de armas e munições.

É preciso enfrentar o retrocesso de nossas instituições e métodos que, apesar dos recursos bilionários (o Estado do Rio de Janeiro gastou ano passado 12,6 bilhões em Segurança e 7,4 bilhões no enfrentamento da covid), o fato que a nossa polícia militar ainda é a mesma polícia racista e pouco treinada para os desafios do novo modelo de segurança cidadã. Não mudamos os métodos, porque afinal o hiperencarceramento e o número expressivo de casos letais acontecem majoritariamente com a população negra e pobre.

Se o enfrentamento ao racismo estrutural é a chave de resposta ao capitalismo de um país em desenvolvimento e que negligencia o debate de raça e enfrentamento ao racismo em sua construção civilizatória o revisionismo do debate sobre segurança pública é extremamente necessário, Desencarceramento em massa, desmilitarização das polícias, revisão do penitenciarismo brasileiro, democratização do processo penal e empretecimento da estrutura judiciária brasileira são agendas de transformação que precisam ser priorizadas já.

É importante a construção de um pacto civilizatório profundo que construa as dimensões humanizantes do povo e talvez, só talvez, não seja tão comum que parlamentares tenham armas apontadas na cabeça e xingadas por aqueles que deveriam operar cidadania. Executadas com nove tiros sem respostas do Estado.

Por respostas e soluções urgentes para um país que agoniza e sonha democracia.

(Esse texto foi forjado a quatro mãos, excepcionalmente. Tive o auxílio do companheiro de lutas Artur Sampaio, assessor, amigo, jovem negro e integrante do Coletivo Enegrecer, que também estava no carro no momento da abordagem).

Errata: este conteúdo foi atualizado
A colunista estava com três assessores no carro, não quatro. A informação foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL