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Tainá de Paula

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os incêndios do Patrimônio Cultural Brasileiro

Palácio Capanema, no centro do Rio de Janeiro - Divulgação/Iphan
Palácio Capanema, no centro do Rio de Janeiro Imagem: Divulgação/Iphan

Tainá de Paula

05/09/2021 06h00

Em 2 de setembro de 2018, em meio a uma disputa eleitoral presidencial que dividiu o Brasil, uma tragédia sem precedentes atingiu a cultura, a história e a ciência brasileira: um incêndio de grandes proporções atingiu o prédio do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro), destruindo seu acervo e as pesquisas dos vários departamentos da UFRJ que funcionavam lá.

Naquele contexto de campanha, todos os presidenciáveis de prontidão lamentaram publicamente o incêndio e usaram a tragédia para destacar suas propostas de preservação do nosso patrimônio histórico e cultural e de investimento em ciência e tecnologia. Exceto Jair Bolsonaro. O então candidato se limitou a falar uma frase que até hoje ecoa: "já pegou fogo, quer que eu faça o quê?".

Em resposta a essa pergunta, muitas propostas de preservação patrimonial foram apresentadas. Nenhuma colocada em prática. Em 29 de julho de 2021, um incêndio de grandes proporções atingiu a Cinemateca Brasileira (São Paulo). Mais uma tragédia anunciada contra a história, a cultura e a memória do nosso país.

Agora, em agosto de 2021, o governo federal anunciou a abertura para venda de 2.263 imóveis da União na cidade do Rio (São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre serão as próximas cidades), com a justificativa de trazer recursos para a administração pública. Ora, um governo que entrega 2 bilhões de reais em emendas parlamentares para tentar garantir o absurdo (legal e político) do voto impresso, dizer que a venda de imóveis públicos com relevância histórica e cultural é para levantar recursos é, no mínimo, mesquinho. O que é, mesmo, é projeto. Bolsonaro quer destruir tudo o que remete a um Brasil que valorizava sua cultura e que se dedicava ao bem-estar social e à redução das desigualdades. Isso vai desde o desmonte de programas sociais, passa pela privatização de empresas estatais estratégicas e chega na dissolução do patrimônio nacional.

O Palácio Gustavo Capanema, que já foi sede do antigo Ministério da Educação e Saúde, que se tornou sede da Funarte e, mais que isso, sempre foi referência de patrimônio arquitetônico, se tornou o "rosto" da luta em defesa do patrimônio que o governo federal tenta vender - e autoridades do estado do Rio já afirmam que Paulo Guedes teria voltado atrás de sua venda. No entanto, a extensa lista inclui outros prédios relevantes no Rio de Janeiro, como Edifício A Noite (Praça Mauá), Edifício Antiga RFFSA (Central do Brasil) e Edifício Antiga Igase (Cosme Velho).

A preservação do patrimônio não se restringe à manutenção física - embora essa seja fundamental para evitar o que aconteceu com o Museu Nacional e com a Cinemateca Brasileira. Garantir que não sejam descaracterizados, ou seja, que continuem sendo espaços públicos, com função social, cultural e educativa, é também preservar nosso Patrimônio. Prédios históricos têm que ser tratados como tal e têm que receber investimentos de manutenção e de estrutura interativa para que a população possa acessá-los.

Além disso, mesmo privados, os bens com relevância cultural devem participar ativamente do ambiente das cidades, não só como elementos de memória e registro, mas também como peça na formação político-social de um povo, construindo noções de pertencimento, civismo e democracia.

Que incêndios nem "queimas de estoque" se tornem prática e que possamos entender que a negligência com o patrimônio é também negligência direta com seu povo e sua História.