Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Para que ficção se estamos construindo o apocalipse brasileiro?
Como toda mãe cinéfila com família em férias, é tempo de se desdobrar buscando filmes e séries que caibam como diversão e, claro, que valha de quebra boas reflexões para uma vereadora e urbanista. As escolhas por histórias de ficção científica caem como uma luva na reflexão no que estará em jogo em 2022.
Ano passado a COP 26 trouxe à tona novamente um debate central na era pós-pandemia: a agenda do enfrentamento às mudanças climáticas e pactos ambientais sólidos entre nações.
O ocorrido na Bahia nos últimos dias deve se tornar o epicentro da agenda de governança do Brasil para os próximos anos, trazendo a COP26 para a escala local, entendendo o ano de 2022 como decisivo no campo político-programático brasileiro. As mudanças climáticas e deslocamentos forçados devem ser solucionados, associados à grande crise habitacional e hídrica enfrentada pelo Brasil da pandemia: se já sabíamos do avanço a olho nu do déficit habitacional por conta da miséria agravada pela pandemia, o que faremos com o aumento das precipitações concentradas, aumento de estiagens e reservas hídricas cada vez mais ameaçadas por poluição e irregularidade pluvial?
A Bahia até antes das chuvas que a acometeram, contava com um déficit habitacional (DH) de 335,6 mil unidades, o maior DH do nordeste brasileiro. Agora no pós-chuva ainda terá que lidar com os mais de 30 mil desabrigados pelas chuvas e, a partir disso, todo o modelo de reassentamento dessas famílias deve ser repensado, desde sua localização original (perto de rios assoreados ou simplesmente canalizados de forma equivocada), até a sua qualidade arquitetônica, capaz de lidar com a resiliência ambiental cada vez mais necessária para lidar com o que urbanistas e ambientalistas chamam de limites planetários, estudados de forma mais contundente a partir da instituição do Conselho climático mundial, criado em 1988 sob a égide da ONU.
A equação é simples para qualquer leigo: o superaquecimento global derrete as calotas polares, aumenta o nível do mar em determinadas costas e altera a dinâmica das chuvas no mundo inteiro. Países que não investem em infraestrutura (superdiques como Holanda ou supercisternas subterrâneas como em Tóquio) sofrem diretamente os impactos e, principalmente, os mais pobres desses países, que não têm recursos para se deslocar, reconstruir suas vidas e reinvestir em suas comunidades.
Há de se fazer um recorte sobre a relação com o meio ambiente onde se vive, e sempre me aprofundo no tema a partir da ecologia como justiça socioambiental: os produtores de recursos naturais detém os recursos manufaturados provenientes desses meios? Detém o usufruto dos recursos naturais que não raro produz? O europeu médio necessita de 1,3 hectare ao ano para a produção dos produtos consumidos por ele e 40,1% da nossa população rural passa fome. Nesse sentido é urgente adicionarmos a equação da soberania e suficiência alimentar para qualquer parcelamento urbano, com cinturões verdes que resolvam produção alimentar, controle de chuvas, proteção de mananciais e bem viver.
Virar a chave ambiental e da crise habitacional vai além dos recursos da União ou de pactos regionais ao redor de resoluções pontuais. Refazer a lógica urbana e ambiental do país é a única saída possível para chegarmos à 2050 cumprindo a agenda climática de forma mais satisfatória do que o desastre da Agenda 2030: temer fome, crise sistêmica e chuvas ácidas como em "The Rain" não pode ser um temor guardado para as telas de TV: é tempo de um Ministério específico para as Mudanças Climáticas e do Desenvolvimento, que persiga a marca do Carbono Zero, que faça a transição energética e atinja patamares civilizacionais com nossos recursos naturais. Afinal, um país com a dimensão e estatura ambiental do Brasil, deve se preparar para servir de suporte ambiental, autossuficiente em relação às nações destrutivas, rearticular a América Latina por uma agenda de desenvolvimento verde.
Na era do apocalipse televisionado, não podemos assistir parados à destruição do debate ambiental brasileiro na reeleição do presidente Bolsonaro e muito menos diminuir a importância da agenda num novo governo Lula: enfrentar erros anteriores e reposicionar debates abandonados na era pós-PT, como o programa de aquisição de alimentos - PAA - e o programa de cisternas, abandonado em 80% de sua necessidade, principalmente no nordeste do País.
Na melhor clima "happy end", para o Brasil e para este "artigo-movie", invisto e indico duas séries: a primeira é "Tribos da Europa", série alemã que terá continuação para a saga que revela no fim das contas a busca por um sonho de desenvolvimento alinhada com supertecnologia sustentável para todos os povos, convivendo mais uma vez em harmonia. A outra série é "See", assistida por poucos brasileiros, ainda sem final, mas que convoca ao pacto social, muito parecido com o que precisamos: mesmo sem vê-lo, precisamos confiar num futuro melhor construído coletivamente.
Feliz Ano Novo, leitores!
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