Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Capitólio e o turismo dos escombros
O Brasil vive hoje uma das maiores crises ambientais de sua história. Desmatamentos, mudanças substantivas em seu ecossistema, impactos visíveis no volume pluviométrico anual, estiagens e desmonte das políticas de regulação do nosso patrimônio ambiental assombram o país.
Mas por que é importante realizar um paralelo da pauta ambiental com o turismo? Sem dúvida o turismo é um dos principais setores econômicos do Brasil e é um ativo fundamental do nosso desenvolvimento: a alta capacidade de geração de empregos diretos e indiretos, a dinamização de cidades e claro, a preservação de nossas Unidades de Conservação são questões indissociáveis. Nos últimos anos, mesmo com o desaquecimento no setor por conta da covid-19, o turismo representa quase a mesma faixa no PIB se compararmos ao setor da agroindústria, por exemplo, que variou de 5% a 8% nos últimos 5 anos.
Estudiosos da turismologia associam a prática do turismo a duas características inerentes ao ser humano: curiosidade e sentido de preservação. Aquilo que não te desperta interesse, não é capaz de deslocá-lo de seu abrigo original. Em complementaridade, é importante ter curiosidade e espírito de perpetuação para que seus pares contemplem também o que te faz "turistar". A boa prática do turismo se sustenta portanto num aguçado sentido de proteção e na necessidade de contação de saberes e histórias para as futuras gerações.
Daí que se vive um contexto dificílimo à preservação de sítios e ecossistemas: no capitalismo global há o esvaziamento das importâncias sociais, culturais e ambientais e o apagamento dos sentidos de preservação. A sustentação portanto de uma das bases principais do turismo se esvazia e portanto, não há cobrança social e cultura de política pública que mitigue as ameaças das atividades predatórias nas regiões com potencial turístico.
O Brasil se chocou com a morte dos turistas em Capitólio, mas deixou de realizar um debate sobre as normas e procedimentos do turismo no país e coleciona desastres por todo o território nacional. Meses atrás o desabamento numa gruta em São Paulo; deslizamentos na chapada dos Guimarães; a Cachoeira da Pedra, também em São Paulo e poderia terminar o artigo citando centenas de acidentes nos últimos anos, todos envolvendo acidentes com vítimas fatais em áreas exploradas pelo turismo desregulado.
Nesse sentido, o desastre de Capitólio materializa um problema crônico que se espraia de diversas formas pelo Brasil: processos de especulação turística, ocupação desenfreada de falésias, dunas, parques, restingas. Poluição descontrolada, ausência de acompanhamento geológico e geotécnico das áreas exploradas, inexistência de gestão de resíduos sólidos.
À medida que o turismo de natureza avança para áreas cada vez mais remotas, os riscos aumentarão e é fundamental que o turismo se insira nas regras de qualquer outro setor produtivo: prevenção, adequação às novas tecnologias e eficiência nos procedimentos.
"Curiosamente" o Ministério do Turismo tem discutido a implementação do turistech, o "tourism technology", o desenvolvimento do alinhamento do turismo com a tecnologia da informação e da comunicação. Ainda com um primeiro edital acanhado e aquém dos desafios urgentes do país que é uma das rotas de turismo mais disputadas no mundo (o Brasil é um dos 30 países mais procurados). Não há nada formulado para a tecnologia de referenciamento, acompanhamento de clima, taxas ambientais, sensores de presença, sensores calorimétricos e pluviométricos, índices de desmatamento e mitigação das atividades turísticas. Há muito que se avançar.
Há ainda o drama da legislação pouco clara e muito difusa. É necessário realizar uma avaliação da Lei 12.608/2012, criada após os deslizamentos da região serrana do Estado do Rio de Janeiro, mas que em nada se dedica às áreas rurais e periurbanas, tampouco faz o recorte das áreas turísticas Ainda na contramão da proteção de nossos sítios, a mudança no licenciamento ambiental proposta pelo governo federal e o chocante decreto sobre grutas e cavernas, que permite construções sem maiores estudos técnicos em áreas que, na maioria, tem proteção em diversos níveis de regulamentação.
Os desafios são muitos e é preciso escolher os rumos: aprender com os erros e estabelecer agendas integradas e planejamento estratégico para a gestão dos sítios turísticos do Brasil e garantir o sentido de perpetuação e preservação das nossas reservas naturais. Queremos ir, queremos conhecer, mas também queremos que nossos filhos e netos conheçam. Afinal, fazer turismo também é sobre construir coletivamente um modelo de sociedade.
Que perpetuemos nossas cachoeiras e catedrais e que não tenhamos mais escombros na memória do turismo brasileiro.
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