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Tomas Rosenfeld

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Casa do povo

Fachada da Casa do Povo, no Bom Retiro, com a obra "Assim elas comemoram a vitória" de Yael Bartana em 2018 - Alberto Rocha/Folhapress
Fachada da Casa do Povo, no Bom Retiro, com a obra "Assim elas comemoram a vitória" de Yael Bartana em 2018 Imagem: Alberto Rocha/Folhapress

15/02/2022 06h00

No fim de semana passado visitei a Casa do Povo. O edifício, inaugurado em 1953 no Bom Retiro, foi fruto de um exercício coletivo da comunidade judaica de São Paulo para criar um espaço ligado à memória e à cultura, orientado por valores humanistas.

Segundo texto no site da Casa, "o espaço nasceu de um desejo duplo: homenagear os que morreram nos campos de concentração nazistas e criar um espaço que reunisse as mais variadas associações que tinham nascido aqui, na luta internacional contra o fascismo - visando assim dar continuidade à cultura judaica laica e humanista que o nazi-fascismo tentou silenciar na Europa."

Desde sua inauguração, o edifício e o teatro, projetados por Ernest Mange e Jorge Wilheim, abrigaram uma escola (o Scholem Aleichem), peças de autores como Plínio Marcos, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, shows do MPB4, aulas de Lygia Fagundes Telles, entre outras diversas atividades.

Durante a ditadura, o lugar foi um importante espaço de resistência. Como reflexo dessa relevância, há uma cena no filme de Cao Hamburger, "O ano em que meus pais saíram de férias", em que estudantes, protestando contra o regime, apanham da polícia em frente ao prédio. Lembro bem da cena, já que fui um dos figurantes acuados pela cavalaria em frente às escadarias do prédio.

Em uma segunda memória associada ao edifício, a ênfase deixa de ser a resistência e passa a ser ruína. Em 2012, o teatro abrigou a cena final de uma peça do Teatro da Vertigem. A degradação do espaço era chave na composição misteriosa e onírica das cenas. O couro das poltronas rasgado, os tacos do piso soltos. Saí da peça provocado e triste.

Passados dez anos, foi uma ótima surpresa visitar outra vez o prédio no último fim de semana. Participei de uma formação para novos voluntários do espaço, que abriga diversos coletivos, que atuam distribuindo alimentos, produzindo sabão reciclado, dando suporte a cooperativas do bairro, alfabetizando crianças e adultos, criando um lugar para a prática de boxe comunitário, grupos de mulheres... a lista é extensa.

Além de todas as atividades sociais, o lugar serve de abrigo para residências artísticas. Segundo uma das diretoras que guiou a visita, trata-se de um espaço cultural que enfatiza o processo. Estamos acostumados a entrar em espaços da cultura para assistir a produtos prontos, exposições, peças de teatro, shows. Na Casa do Povo é possível também encontrar exibições desse tipo, mas a ênfase está na construção, no ensaio. Como alguém comentou, o prédio se funde à sua proposta, em uma ruína que não é meramente resquício do passado, mas se integra ao futuro, em um processo contínuo de construção.

A combinação entre o que é social e artístico me move. Ainda mais quando ligado à história, no caso, de um judaísmo progressista no país. Ao explicar o modelo de governança da Casa do Povo, Benjamin Seroussi, diretor da casa, faz referência a um joelho. Segundo ele, tudo foi construído pensando nessa articulação. O encontro entre diferentes grupos e visões é articulado por um colegiado - o joelho - diz ele, levantando a própria perna e se assegurando de que o sotaque francês não confunda a plateia. "É esse encontro que gera movimento", completa Benjamin.

O espaço está lá, aberto, vivo, na rua Três Rios, 252, Bom Retiro.