Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Você conhece o movimento do babaçu livre?
Uma forma de pensar o desenvolvimento é encará-lo como um processo de alargamento das liberdades. Fragmentos dessa perspectiva, defendida pelo economista e prêmio Nobel Amartya Sen, permearam minha conversa com Cledeneuza Maria Bizerra Oliveira.
Cledeneuza nasceu há 65 anos, em Marabá, no Pará. Seu pai era castanheiro e sua mãe, quebradeira de coco. Da mãe, ela herdou a profissão, mantendo ao longo da vida uma intensa relação com o babaçu.
Essa palmeira, presente na zona de transição entre a floresta amazônica e o semiárido nordestino, é conhecida por ser integralmente aproveitada. Do tronco às folhas, passando pelas castanhas e o mesocarpo (ou a "polpa" do fruto), a espécie é um exemplo para um paradigma circular da economia.
Contudo, as quebradeiras de coco babaçu, como são conhecidas essas cerca de 300 mil mulheres espalhadas pelo Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí que vivem da coleta e quebra do coco, enfrentam diversos desafios. Um deles se deve ao fato de os babaçuais estarem dispersos, em vastos campos. Tradicionalmente, essas terras não possuíam dono ou cerca, mas essa realidade vem mudando.
Os constantes conflitos que nasceram dessa situação levaram ao surgimento do movimento do babaçu livre, resultado desse choque entre a necessidade das quebradeiras em acessar as árvores, que lhes são fonte de renda e identidade, e as diversas barreiras impostas ao seu acesso.
Em um texto no site do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Maria Alaides, coordenadora geral do movimento, explica que "babaçu livre" significava justamente "o direito das quebradeiras de chegar, sem empecilho de cerca, porteira, trator ou jagunço, a todo lugar que seus pés puderem pisar para defender a vida das palmeiras, de ser e viver como quebradeira."
O babaçu livre, contudo, não é só uma ideia ou movimento, mas também é lei. A primeira foi instituída em nível municipal em 1997. Hoje, as leis que protegem a palmeira e a atividade das quebradeiras compõem o arcabouço legal de 13 municípios, além de alcançar o nível estadual em algumas das regiões.
Em seu livro "Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia centro do mundo", Eliane Brum discute a ideia de liberdade. Como a autora coloca, ao entrevistar um beradeiro no Xingu, "ser pobre é não ter escolha." Debatendo com essa lógica, Cledeneuza e suas companheiras de movimento esforçaram-se para ampliar o seu campo de opções. Aumentaram sua renda - o preço recebido por quilo é quase quatro vezes maior para as mulheres organizadas em associações e cooperativas - e enriqueceram ao serem reconhecidas.
Antes, conta Cledeneuza, "algumas mulheres não sabiam falar o próprio nome. Agora, elas se enxergam, se valorizam. Antes só os homens tomavam as decisões, hoje somos nós."
O próprio babaçu ganhou também mais valor para as mulheres. "A quebradeira verdadeira se alimenta do babaçu", afirma Cledeneuza. Ela conta que o preço e a propaganda tornavam o uso do óleo de soja mais atraente do que o azeite do babaçu. "No mercado o óleo de soja está R$ 8, enquanto o de babaçu está R$ 25, mas a quebradeira sabe da diferença que faz pra saúde e hoje prefere consumir do próprio produto."
Se o uso e a articulação em torno do babaçu trouxeram liberdade, sua extinção pode levar à morte. No final de 2021, Maria José Rodrigues, de 78 anos, e seu filho, José do Carmo Corrêa Júnior, foram vítimas fatais da prática ilegal de derrubada das palmeiras do babaçu, segundo informações do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Fortalecer e expandir iniciativas que contribuam para a qualidade de vida das populações tradicionais, valorizem os seus saberes e conservem o meio ambiente é fundamental.
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