Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Miró da Muribeca se vacinou contra a covid-19 essa semana
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Depois de saber que Miró existe é difícil enganar a imaginação para o caminho contrário. Sua voz inconfundível fica rodeando a cabeça por uma noite e três semanas depois. Foi assim comigo, capaz de ser assim com você.
Porque a palavra deste recifense de 60 anos é interessada no dia a dia. Na rua e na rotina, e nas pessoas das ruas e suas rotinas. Por isso chega tanto na gente. Ele anda com uma lente de aumento sobre o quê e quem, muitas vezes, está apenas acontecendo no mundo. Até existir tem status de privilégio neste país, percebe isso?
Aos seus olhos tudo é interessante. E ainda tem quem diga que a poesia é na verdade uma literatura menor, quando só ela consegue sintetizar coisas assim:
Pipas no céu
Crianças nas nuvens
DizCrição, 2012
Pense: tratados inteiros para investigar a importância da ludicidade na produção da vida e o poeta vai lá e faz isso, em duas linhas. Não há quem explique como.
Ou isso:
São Paulo trafega
entre o moderno
e o fiasco.
DizCrição, 2012
Nascido João Flávio Cordeiro, o escritor de 12 livros lançados foi acolhido em agosto do ano passado pelo Instituto Raid para se tratar de sequelas do alcoolismo e outras comorbidades. Ao longo da vida, o álcool andou tão ao seu lado quanto a poesia, mas foi a passagem de Dona Joaquina, a mãe, que misturou tudo numa pessoa só. Ao contrário de Tapacurá, Miró transbordou. Em entrevista à jornalista Tatiana Notaro, resumiu assim: "Quando ela morreu, eu não soube viver minha solidão, esqueci de mim. Era um homem morto, só que o coração batia."
Em novembro, Miró foi diagnosticado com covid-19. O susto só não foi maior que a esperança e a torcida de que as coisas dariam certo de uma maneira ou de todas. E deram. Se recuperou e voltou para a clínica de onde não havia saído até a última quinta-feira (22). Quando chegou para a primeira etapa da imunização disse que não esperava passar dos 30 anos. Hoje, já acha que 90 pode ser pouco para o tanto que quer fazer e ser, ainda.
Não é difícil encontrar, no Brasil de hoje, quem defenda a ideia de que todas e todos nós podemos passar pela vida sem a arte. Que artista é apenas alguém que ainda não começou a trabalhar direito. Ou que cultura é algo tão desimportante que nem ministério precisa ter, como de fato não tem; o que é inacreditável. Gente que enxerga duas pessoas no palco, mas nunca soube, ou quis saber, que aquele espetáculo sustenta mais de 100 famílias longe dali. A arte é objetivamente trabalhadora.
A pandemia vai derrubando mitos, um a um. O de que estamos todos no mesmo barco, o que mostrou não ser uma verdade. O de que não precisamos do Estado, o que é impossível nessa enxurrada de desigualdades. E a ideia de que as fazedoras e fazedores de cultura não são necessários numa sociedade.
Para cuidar da cabeça e do coração, o que mais vimos nestes últimos meses foram pessoas correndo atrás de algum sustento emocional nos livros, filmes, em suas séries favoritas. Numa realidade cada dia mais impraticável, eu lembrei da Matilde Campilho: "a poesia não salva o mundo, mas salva o minuto. E isso é suficiente". Democrática, sobre ela eu diria até mais: salva inclusive quem acha uma bobagem que existam: os artistas, a arte. E alguém feito Miró, que vive da palavra. Literalmente.
Se ainda não o conhece, vai por aqui com o Wilson Freire.
Já para apoiar Miró, o caminho é este, em suas redes oficiais.
Que o filho de Muribeca, o ex-quase futuro jogador do Flamengo, o sonho de criança, esteja pleno em saúde o quanto antes. Que nos traga novos horizontes com suas palavras, como sempre fez. E que do outro lado disso tudo estejamos todos e todas nós, a salvo, com um de seus livros nas mãos. Viva Miró, viva o SUS, viva a ciência.
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