Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Djamila Ribeiro e Emicida inspiram mostra imersiva na periferia de SP
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Quem aceita o convite para dedicar tempo, presença e atenção para acompanhar a mostra "Ismália" ganha uma reflexão sensível e poderosa. E uma denúncia. Com 15 obras e um mural, a exposição usa a arte para embarcar o público de casa na conversa mais urgente do nosso tempo: a luta contra o racismo.
Resultado de três meses de trabalho do Coletivo Jovens Artistas, um dos programas educativos da ONG Projeto Arrastão, a mostra faz um passeio visual por "Ismália", música do Emicida, transformando trechos marcantes em quadros pintados pela turma. Personagens e acontecimentos que aparecem na letra também foram transportados para as obras.
Ao clicar na janela que leva à exposição, o público mergulha não apenas no que estão vendo do outro lado da tela, mas numa experiência imersiva que mistura sons do cotidiano, do noticiário, a canção, com as vozes que se revezam para apresentar as criações, frase por frase da música, dor por dor de cada absurdo. Assim, passa a entender a raiz das escolhas artísticas dos jovens sobre essa ou aquela cena. Por este, ou aquele trecho.
A arte, me contou o educador Hugo Ricardo da Silva, constrói sentir e sentido no ambiente educacional, pois traz a realidade para ser interpretada pelas sensações, pela sensibilidade de cada pessoa. Por isso ela é uma ferramenta tão poderosa na educação. "Antes da arte de pintar, estes jovens precisaram da arte de pesquisar. De ir atrás de entender o que estavam escutando, sobre o que cada trecho fala".
O fio da história
Tudo começou quando o coletivo leu O Pequeno Manual Antirracista, da filósofa Djamila Ribeiro. Isso foi ano passado, quando os encontros ainda aconteciam on-line. Hoje a organização atende 35% do seu público, com todas as medidas de segurança exigidas.
A ideia, me explicou a educadora Leila Rodrigues, foi estimular que os alunos e alunas conhecessem mais de perto o pensamento da intelectual brasileira, estimulando um debate sobre o racismo na sociedade, nomeando as violências no dia a dia do grupo. Os jovens têm entre 16 e 17 anos e moram na região.
"Infelizmente, ele (o racismo) está muito presente ainda na nossa sociedade. E muitas vezes estes jovens nem sabem que estão passando por isso. O livro da Djamila é muito bom para começar essa conversa", explicou.
A atividade mexeu tanto com a turma, que Leila se pegou, durante suas férias de fim de ano, pensando em como continuar estimulando o que havia acontecido durante as chamadas de vídeo. "A gente entende que uma turma que trabalha o que eles trabalham, a arte, precisa ser provocada, ter senso crítico, sabe".
As conversas ao redor do livro levaram o grupo a desembarcar na obra de um poeta morto 100 anos atrás, em Mariana, Minas Gerais. "Ismália" é a criação mais popular de Alphonsus de Guimarães, escritor que fez parte de um movimento conhecido como simbolismo brasileiro.
AmarElo
Foi de Leila, que acompanha a carreira de Emicida desde os tempos da Rinha dos MC 's, a ideia de usar o álbum AmarElo para amarrar toda a conversa, que já durava semanas. Foi só aí que começou a nascer a exposição. O trabalho do artista foi sucesso de crítica e de público justamente por trazer para o centro do debate temas como a saúde mental e o autocuidado. Uma música, em especial, ligava todos os pontos, imaginou a educadora. A faixa 8, também batizada de Ismália. Não à toa.
"O CD inteiro é muito bom, fala sobre coisas muito importantes. Mas dado o caminho que estávamos fazendo, eu pensei que era essa que queria levar, pois se conectava com a nossa pauta de sala de aula".
Cantando ao lado de Larissa Luz, Emicida deu um novo contexto para o poema de Alphonsus, que aparece no finalzinho da música na voz da atriz Fernanda Montenegro. A Ismália dessa releitura é uma representação das dores, dos traumas e do estado permanente de sofrimento causado pelo racismo estrutural da sociedade brasileira. E que é responsabilidade de todas e todos nós combatermos diariamente. Emicida conectou tudo, como sempre.
"O que ele escreve é tão elaborado, que a gente precisa sair para pesquisar para entender tudo", me disse Hugo. E foi exatamente isso que os jovens fizeram, mas foi a Leila quem me explicou essa parte: "Eu imprimi a letra e entreguei para cada um. No início nem todo mundo entendeu, tem muita coisa ali. Só depois que interpretaram, por si próprios, linha por linha, que a gente foi pesquisar juntas os fatos históricos que aparecem lá".
Do começo do processo de criação das obras até a abertura da exposição foram semanas e semanas de muitas conversas, estudos e de produção propriamente dita. Antes disso teve o livro de Djamila, o poema de Alphonsus. As 15 obras e o mural estão na sede do Projeto Arrastão, mas podem ser conferidas on-line numa visita que pode ser agendada no perfil da ONG.
Continue essa conversa
Para ler a letra e entender as referências
https://www.youtube.com/watch?v=vnVF7PcrYp8
Para analisar linha por linha da música do Emicida
https://www.youtube.com/watch?v=--TvcdWiuLM
Para conhecer o pensamento e o trabalho de Djamila Ribeiro
https://www.youtube.com/watch?v=Al365qzdjZE
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