Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Para parte da imprensa, uma pessoa periférica só sabe falar de periferia
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De tempos em tempos é preciso voltar ao começo de tudo, que imaginei já tivéssemos avançado mais: uma pessoa periférica não fala somente de periferia. Ela analisa e opina sobre o mundo a partir deste lugar. São coisas bem diferentes.
Da mesma maneira, um economista, que seja um homem negro, não pode ser escutado de tempos em tempos para, exclusivamente, falar da dor e do crime que é o racismo. Ou, a uma doutora em educação, uma mulher indígena, não pode ser dado o espaço, apenas, de abril em abril. E só.
Os territórios e as identidades são roupas de caminhar pelo mundo, não o destino temático das existências. São elas que alimentam as experiências que constroem a visão de mundo e as opiniões que nós temos. Sobre nós e o todo da vida.
A percepção de uma pedagoga sobre o sistema educacional brasileiro, morando na Faria Lima, em São Paulo, será diferente da leitura de alguém que nasceu e cresceu no bairro da Cabanagem, na periferia de Belém, no Pará. Ao recorrer quase sempre aos meus espaços e vozes de autoridade, dificilmente se terá uma fotografia ampla deste ou daquele fenômeno ou acontecimento do país. A imprensa, e a mídia como um todo, parece ter dificuldade em entender isso. Ou não quer. E isso volta na forma de distanciamento, olha só.
Relatório de Consumo de Mídia Latam 2021, lançado recentemente, reafirmou o que sabíamos há tempos, fruto de inúmeras pesquisas feitas por organizações sociais que olham para a comunicação brasileira: favelas, periferias e povos tradicionais não se sentem representados pela mídia tradicional. Para ficar em um exemplo, 86% dos moradores e moradoras do Morro da Coroa, no Rio de Janeiro, acreditam serem retratados de maneira injusta pela mídia.
É na esteira de fenômenos como este, que só crescem, que brotam novos espaços, modelos e linguagens que acolhem e respeitam a todas as formas de ser e estar no mundo, oferecendo interesse jornalístico genuíno. A colunista Mariana Belmont, inclusive, já escreveu sobre um destes exemplos aqui no ECOA. Vale a leitura.
O desafio é de conteúdo, quais são os assuntos e temas que mexem nos afetos e apoiam nas decisões de uma sociedade tão diversa, mas é também de forma, que pode ser resumido assim: onde estão as gamers trans sendo escutadas na condição de especialistas sobre o mais recente sucesso do mundo dos jogos? A subjetividade muda o olhar.
Ou: quantas mulheres quilombolas escrevem na sua revista preferida de saúde e bem-estar? Ou será que, editorialmente, elas não têm nenhuma contribuição original sobre o bem viver? Tem. E muita.
Para falar com todo mundo é preciso que todo mundo possa falar, partimos daí. Mas chega a ser mais urgente que isso. A diversidade que o mundo é, aqui afora, precisa revelar-se como pluralidade na imprensa, para o bem da democracia brasileira. Ou a mídia corre o risco de noticiar como pontual fenômenos estruturais da sociedade.
Isso não se resume aos assuntos abordados, mas igualmente sobre quem os escreve, quem tem o merecido espaço para influenciar o debate, como articulistas, por exemplo. De novo, a forma e o conteúdo.
Se faz urgente mover vozes de grupos historicamente lidos a partir da lente do Personagem para o lugar de Especialistas. Sobre toda e qualquer conversa pública.
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