Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Zé Love, Nilmar, Michael: por que é importante falarmos de depressão
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Em depoimento publicado no UOL Esporte, o jogador Zé Love explicou assim essa ausência de si mesmo nos últimos meses: "Era como se meu corpo tivesse esquecido como se joga bola". Para o escritor, é um esquecimento da escrita. Para a atriz, de como se representa. Você encaixa aqui seu trabalho ou profissão e vai encontrar um jeito de explicar o que é a depressão, que nos abraça forte; e que só percebemos aos poucos.
Até que um dia você se verá paralisada diante do mundo. Até as tarefas mais simples ficam difíceis demais, grandes demais. Feito um jogador jogar bola, feito aconteceu com Zé Love.
Conhecido pelo carisma, o atacante fez parte da geração Neymar e PH Ganso, no Santos. Neste momento está afastado dos gramados, em tratamento. Foi corajoso em trazer o tema. Inexplicavelmente, depressão ainda é um tabu. E quando é conversado, o que não faltam são estereótipos e preconceitos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o segundo país nas Américas com mais casos de depressão: 11,5 milhões de pessoas. Perdemos apenas para os Estados Unidos. Não é pouca coisa. É capaz que ao menos uma vez ao mês você sente-se ao lado de alguém que precisa de apoio. E não faz ideia nem sobre como pedir, nem a quem.
Zé Love não é o primeiro, nem será o último. No Brasil, Adriano e Nilmar estão entre os casos mais conhecidos. O Imperador mergulhou em um momento difícil com a passagem de Seu Almir. O pai do atacante morreu em 2004, noves dias após a conquista da Copa América. Artilheiro, Adriano foi o grande destaque daquela conquista. Escreveu assim, anos depois:
"Para ser honesto com você, embora eu tenha marcado muitos gols na Série A ao longo desses anos, e embora os torcedores realmente me amem, minha alegria se foi. Foi meu pai, sabe? Eu não poderia simplesmente apertar um botão e me sentir eu mesmo novamente" É isso: não se vence a depressão por decreto. Não fale coisas como: se você quiser, você consegue. Não é sobre isso.
Já com Nilmar, uma das grandes joias do futebol brasileiro, aconteceu diferente. E é isso também, muda de pessoa para pessoa. Daí a necessidade de conversar sobre o tema, para saber nomear com as pistas que irão ajudar a pessoa a se cuidar o melhor possível.
"No último ano, antes de ser diagnosticado, eu tinha essa dúvida dentro de mim: o que era aquela tristeza, onde estava aquele prazer que eu havia perdido", explicou em entrevista ao canal Um Assado Para. "Eu tinha dinheiro, fama. Uma família linda, com meus pais felizes por minhas realizações. Na minha cabeça, sentir aquilo era muito estranho".
Foi depois de passar meses deitado no sofá, palavras do agora ex-jogador, tempo em que não juntava forças para nada, que começou a ligar os pontos. "Eu tinha vergonha de falar sobre o assunto". É difícil mesmo, mas não podemos.
A depressão alcança qualquer pessoa, em qualquer contexto social, em todos os momentos da vida. Ela não avisa, manda uma carta. Ela te abraça, devagarinho, mas tão forte, tão forte, que tem uma hora que você nem se lembra mais como era antes daquilo tudo. É preciso perceber os sinais. E pedir ajuda.
E não percebe os sinais quem nem acredita que ela exista, feito a gente escuta muito por aí. Ou diz que é uma frescura, coisa de quem anda reclamando sem motivo da vida boa que tem. Ou se recusa a ter qualquer conversa, diz que está tudo tudo em ordem. Mesmo todo mundo ao redor percebendo que não. Não está.
Michael foi a revelação do Campeonato Brasileiro de 2019. Jogando pelo Goiás, talvez tenha sido o grande personagem fora daquele histórico Flamengo. No ano seguinte desembarcou no Rio de Janeiro e foi jogar no principal time do continente naquele momento. Eram muitos sonhos em pouco tempo, ele nem acreditava. Ao Canal Barbaridade, Michael abriu o jogo: passou por uma depressão profunda quando chegou ao Rio.
"Eu ficava dois dias sem dormir. Eu não sei explicar do que eu tinha medo. Era de ficar sozinho, de dormir sozinho. Até de tomar banho sozinho", revelou. O assunto ganhou as manchetes, virou conversa nos grupos da torcida. O apoio, Michael conta, foi essencial: "O clube e os profissionais me ajudaram muito. Me fizeram ser querido, me abraçaram. Cuidaram de mim como ninguém nunca cuidou".
O jogador passou a ter acompanhamento profissional, vários dias por semana. Na mesma entrevista, Michael chamou atenção para um ponto: "Depressão quase todo mundo tem, mas ninguém que assumir". Capaz que nem saibamos nomear assim, antes de saber ou querer assumir. Trazer como trouxe o que estava passando, foi importante demais, Micha.
Quatro jogadores de futebol, quatro homens. Existem muitas outras histórias, uma pesquisa de cinco minutos nos levará a todos os esportes, pessoas de jeitos e vidas muito diferentes. Costurei essa conversa assim, porque nós, homens, temos uma dificuldade imensa de nomear sensações e sentimentos. De se colocar vulnerável, pedir apoio. Por isso esse recorte. Mas a conversa é de todos e todas nós.
Costurei essa conversa assim, porque não chamar a depressão pelo nome que tem, depressão, não a transforma em outra coisa, mais fácil de lidar. Nem a faz deixar de existir, pelo simples fato de se recusar a olhar em seus olhos. Meia noite, cabeça no travesseiro, todo mundo está apenas consigo mesma; é naquela hora.
Costurei essa conversa assim, pois quando jogadores de futebol que, sabemos, são figuras que têm muito apelo junto à opinião pública, especialmente as juventudes, resolvem falar abertamente sobre as questões que envolvem a saúde mental, andamos algumas casinhas. O esporte é uma ferramenta poderosa, uma plataforma que conversa com muita gente ao mesmo tempo.
Esportistas estimulam conversas. E é com essas conversas, uma aqui, outra ali, que a gente cria uma sociedade do cuidado. Sobre a depressão, primeiro reconhecer que existe; depois aprender a nomear, para enfim pedir ajuda.
Continue essa conversa
Centro de Valorização da Vida
Centro de Atenção Psicossocial
https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/caps
Elânia Francisca
https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/elania-francisca/
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.