Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Quando o futebol explica o mundo
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O esporte em geral, e o futebol em particular, tem um grande poder de criar e transformar culturas. Em 2019, no auge do Flamengo de Jorge Jesus, existia um Gabigol em cada favela do Rio de Janeiro. O gesto que virou sua marca era repetido até para chutar a caixa de papelão perdida na calçada. Quando o time inteiro descoloriu o cabelo, a entrada das escolas virou um mar de amarelo. Ninguém me contou, eu vi.
Com essa capacidade de segurar atenção e mobilizar sentimentos, não é de se estranhar que existam tantos interesses e pressões na beira do campo. Uma partida no domingo à tarde comunica mais que dias e dias nas ruas, conversando com as pessoas. Por isso admiro tanto o que o Observatório da Discriminação Racial no Futebol se propõe a fazer. Criado por Marcelo Carvalho, trabalha para colocar a luta contra o racismo no horário nobre da maioria dos brasileiros e brasileiras: numa partida de futebol.
Não sou ingênuo, é um mundo à parte. Em sua maioria, atletas e clubes têm pouca ou nenhuma conexão com a realidade. Nem vou entrar na questão financeira. É só observar quantas pessoas passam fome no Brasil de hoje e quantos esportistas tocam no assunto. Não falo de campanhas ou doações, mas de trazer o assunto para o debate público, com a urgência e atenção que ele merece. Fora das quatro linhas, quem entendeu muito bem como se faz isso é o piloto Lewis Hamilton.
Os motivos são muitos: medo de perder patrocinador e dinheiro, medo de desagradar quem contrata, medo das relações políticas utilitárias que construiu na carreira. Há quem pense diferente, mas não acho que essa alienação seja um problema individual. É estrutural e coletivo.
Em geral, os clubes trabalham para construir um produto, não por uma formação da pessoa jogadora de futebol. Tudo que não é técnico, sobre o como jogar, não é prioridade. O resultado a gente vê nas entrevistas. É sempre assim? Não. O Barcelona, da Espanha, forma todas as suas categorias de base a partir de uma mesma filosofia, que inclui questões técnicas, sim, mas também os valores institucionais.
Por exemplo, as crianças aprendem a cumprimentar o adversário, mesmo quando saem do campo derrotadas. É útil para a partida que vão jogar um dia, é útil para a vida que vivem hoje.
O futebol explica o mundo. E quando uma pessoa por acaso não gosta do jogo, em si, eu peço que olhe ao redor dele. É o que os jornalistas Renato Rogenski e Luís Henrique Moreira fazem no podcast que me inspirou a essa conversa, e de onde peguei emprestado o título. Com episódios toda semana, Luís e Renato traçam paralelos entre o esporte e o que acontece em nossas vidas. No mundo.
Em Futebol em Tempos de Guerra, dessa semana, eles falam sobre como o esporte tem tudo a ver com a geopolítica internacional. Quando não parou balas e canhões como no caso do Santos de Pelé na Nigéria, em 1969, a bola salvou a vida do jogador alemão capturado pelos soviéticos. Em partida entre guardas e prisioneiros, a caminho de uma prisão na Sibéria, o atacante Fritz Walter foi reconhecido por um soldado inimigo. Fritz havia comandado uma virada por 5 a 3 contra a Hungria, três anos antes. O soldado estava no estádio. A vida dos dois esbarram em meio à Segunda Guerra Mundial.
Se o futebol explica o mundo, o mundo também explica o futebol. E por isso, tenho pouca esperança de que ao menos no médio prazo, tenhamos mais clubes parecidos com o Bahia, que compreenderam seu papel no esporte mais popular do país e assumem a sua responsabilidade social junto à torcida e a opinião pública. Que dentro de campo, nossos times do coração nos façam felizes. E que fora dele, nos façam orgulhosos.
Pa ler, assistir ou ouvir:
Coligay: tricolor e de todas as cores
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