Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Memorial com destroços não deixará o país esquecer de atos terroristas
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Outro dia eu li, infelizmente não lembro de quem, que: a história é o que se conta, mas é também o que se escolhe esquecer. Logo após os ataques terroristas à Praça dos Três Poderes, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, manifestou a intenção de construir um memorial sobre o dia 8 de janeiro. Justificou:
"Esse memorial é para a gente deixar marcado isso, para que nunca mais possa acontecer outra violência desse nível com a memória, com o intocável que é a nossa democracia". O Brasil, de longa tradição de esquecimento, tem agora no poder quem se recusa a relativizar o absurdo e a se conciliar com os violentos. O projeto do memorial é uma ideia em gestação.
"Por muito tempo, a Memória Nacional não foi confrontada", explica a historiadora e mestra em História do Tempo Presente, Juliana Campos Gomides. Produzida em sua maioria por pessoas brancas, de classes sociais bem específicas e que sempre estiveram nos espaços de poder, aqueles simbólicos e materiais, o que chamamos de história brasileira é, na verdade, uma seleção dos melhores momentos a partir de um ponto de vista. Com a visão de mundo de um determinado grupo de pessoas.
"Muita gente se empenhou e conseguiu levar adiante uma determinada memória nacional. Este grupo escolhe muito mal o que guarda, mas é preciso entender que eles escolheram coisas que fortalecem e protegem o status quo".
Quem historicamente se senta nas cadeiras do poder é quem diz para onde os ventos da memória irão soprar.
"Esse grupo se empenhou política, acadêmica e socialmente em prol de um embranquecimento da sociedade", exemplifica a historiadora. "Isso se deu nas escolhas dos materiais didáticos que recebemos nas escolas aos feriados do nosso calendário".
Para Juliana, graças a essa estrutura é que existem mitos como o da democracia racial, por exemplo.
Enquanto o Brasil nunca encarou de frente o absurdo da escravidão, nem rompeu em definitivo com o seu legado doloroso para mais da metade da população do país, os Brasis nunca pararam de gritar que não existe um outro caminho possível.
A Estação Primeira de Mangueira já deu a dica para o futuro em seu samba de enredo: Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês.
Juliana percebe as transformações. Aos poucos, graças ao fortalecimento dos movimentos negro, feminista e sociais de modo geral, o Estado brasileiro tem sido pressionado por outro modelo de país.
Esse movimento é constante, com vitórias e recuos. E este outro país, que será para todo mundo, passa diretamente pela memória, pelo que escolheremos agora levar adiante. Neste sentido, o 8 de janeiro pode ser um ponto de virada histórico.
Margareth Menezes, uma artista e mulher negra, sabe mais do que ninguém o poder da memória para construção de melhores futuros que hoje. Não foi uma coincidência que tenha sido justamente ela a trazer a possibilidade de um memorial que não deixe o país esquecer o mais grave ataque às instituições brasileiras, em décadas.
O dia em que um grupo de pessoas acreditou que conseguiria, com base na força, dar um golpe na democracia. Não conseguiram, não vão conseguir.
Que a ideia do memorial prospere, que essa lembrança ocupe espaços físicos e simbólicos pelo país.
Que vá parar nos livros didáticos.
Sem anistia, sem esquecimento.
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