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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

País precisa radicalizar a escuta das dores, sonhos e ideias da sociedade

Agência Brasil
Imagem: Agência Brasil

22/01/2023 06h00

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Sendo um gestor público, o meu primeiro movimento seria convidar coletivos, redes e organizações sociais que historicamente produzem reflexão, conhecimento e soluções em minha área de trabalho.

Especialmente aquelas que vêm das periferias, favelas e do campo - que são lembradas para as fotos, quase nunca para as decisões.

Chamaria a equipe, pediria que estudassem convidada por convidada, que listasse perguntas. Iríamos a uma sala grande, dessas de perder o fim de vista, e nos trancaríamos para uma grande troca de saberes. Para entender o que poderia ser incorporado, ganhar uma escala nacional. E como faríamos isso em parceria com aquela resolvedora, que já tem muito tempo de experiência.

Verdade, eu nunca ocupei um cargo público, então não conheço as limitações institucionais e funcionais dessa ideia. Sei também que dezenas de gestores ao redor do Brasil já fazem esse movimento, há décadas. Não estou inventando nada. O que não entendo é como existe ainda quem ache isso uma perda de tempo. Ou, pior, que acredite que o papel da sociedade civil organizada se limita a cobrar ou pressionar o Estado. As soluções deixem com a gente, os profissionais. Sim, pessoas assim existem, dia desses esbarrei com uma.

No período eleitoral do ano passado escrevi artigo chamando a atenção dos candidatos e candidatas a cargos no setor público. Pedia que olhassem com cuidado, atenção e intenção para as soluções produzidas por pessoas comuns, ao redor dos quatro cantos do Brasil. Para isso, eu até brinquei, bastava que lessem diariamente as reportagens de Ecoa. Por aqui passam várias dessas pessoas e organizações resolvedoras. Quem não tem uma solução pronta, muitas vezes tem pistas poderosas de caminho e jeitos de caminhar até ela.

Essas pessoas e organizações estão na linha de frente no enfrentamento e na superação das desigualdades e sabem, como ninguém, o caminho das pedras. Não pela teoria, mas pela prática diária. Escutá-las, de verdade, e não se trancar em gabinetes longe do mundo real, é o único caminho que nos fará diminuir a distância, percebida hoje, entre o Estado brasileiro e a sociedade que depende dele, muitas vezes até para ter o que comer à noite. Isso vale para o legislativo, o judiciário e o executivo - sem distinções.

Um bom exemplo é o artigo escrito pela jornalista Karolina Bergamo, em julho de 2022. Jornalista e mobilizadora de interesse público, perdeu o pai pela covid-19. Elaborou essa dor indescritível se juntando a outras dezenas de pessoas ao redor do país em uma rede de enlutados e enlutadas pela pandemia. A partir desse encontro, produziu um documento com sugestões de como o poder público pode lidar com essas pessoas - 700 mil brasileiros e brasileiras morreram até agora. Da assistência social à educação, as ideias passam por todas as áreas. É ou não é um documento rico e poderoso que merece leitura atenciosa?

Ou radicalizamos agora a experiência de escuta das dores, vontades e ideias da sociedade - conselhos e conferências, como exemplo de instrumentos de participação - ou cada vez mais essa mesma sociedade se verá como espectadora, não como parte. E quando a gente não pertence, a gente se distancia. E quando a gente se distancia, todos os lados se enfraquecem. E quando todos os lados se enfraquecem, quase todo mundo perde. Menos os golpistas e aproveitadores.