Topo

Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Prêmio da Fifa: qual é o papel do futebol na luta contra o racismo?

Marcia Aoki, viúva de Pelé, recebe prêmio de Ronaldo durante o Fifa The Best - FRANCK FIFE / AFP
Marcia Aoki, viúva de Pelé, recebe prêmio de Ronaldo durante o Fifa The Best Imagem: FRANCK FIFE / AFP

01/03/2023 06h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A Fifa se esforçou para comunicar ao mundo que está empenhada na luta contra o racismo. Falta combinar o mesmo comprometimento com as outras entidades, os clubes e, principalmente, atletas do esporte mais popular do planeta. Muita nota, pouca ação.

Durante o The Best, premiação que reconhece os destaques do ano, a entidade que organiza o esporte celebrou Pelé para além do seu legado dentro das quatro linhas - que já é incrível. O discurso de Ronaldo Fenômeno trouxe para o palco a importância histórica de que o maior jogador de todos os tempos seja um homem negro. Seu Jorge cantou a sua importância, logo depois.

Com isso, a Fifa mandou um recado: não deve haver espaço no esporte para o preconceito ou a discriminação, seja ela qual for, contra quem for. A teoria, como sabemos, na prática é outra. A última Copa do Mundo foi no Catar, um país em que você não tem o direito de amar quem o seu coração escolhe. Ou corre o risco de ser preso.

O evento buscou representatividade entre as pessoas que subiram ao palco para apresentar cada categoria da premiação. Existiu uma busca por equilíbrio racial e de gênero, isso ficou visível para quem assistiu à celebração. É o suficiente? Nem um pouco. Mas é um passo importante.

Você e eu que sempre nos vimos na TV ou nas revistas talvez nunca tenhamos pensado o quanto é importante se reconhecer em um filme. Ou em um evento com esse alcance todo. Ver alguém que se parece com você brilhando num espaço de destaque. Agora, pergunte a uma criança que assistiu Pantera Negra o que ela sentiu quando saiu da sala de cinema e você entenderá aonde quero chegar.

É de se celebrar que aqueles que cuidam do futebol, algo que atravessa a vida e as emoções de tantas pessoas, estejam atentos e interessados em uma conversa tão necessária e urgente. A tristeza é saber que os protagonistas do espetáculo ainda se engajam tão pouco. Ou nada. Além de Ronaldo, ninguém que pisou naquele palco deixou uma mensagem contra o racismo. Nem para repudiar o que estão fazendo com o Vinicius Junior na Espanha.

Para Marcelo Carvalho, criador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, A Fifa tem se movimentado mais porque o próprio mundo do futebol tem sido cada vez mais pressionado a tomar atitudes.

"Em agosto do ano passado, a CBF fez um seminário sobre racismo e violência e convidou a Fifa. Ela veio. Além disso, a passagem do Pelé resgatou a sua importância também na luta contra o racismo, para a representatividade das pessoas negras. E mais recentemente os casos envolvendo o Vinicius Junior. Tudo isso fez com que a Fifa fosse mais cuidadosa esse ano ao trazer o debate racial para o seu evento", declara Marcelo.

Em 2014, ele começou a construir o Observatório com o objetivo de monitorar, acompanhar e noticiar os casos de racismo no futebol brasileiro, ao mesmo tempo em que divulga e desenvolve ações educacionais sobre o tema. Hoje, a organização trabalha com federações, confederações e clubes de futebol. Ele diz que já avançamos bastante, mas que há um longo caminho a ser percorrido.

"Os clubes precisam entrar de vez nessa conversa. Tudo que a gente viu até hoje é muito no sentido de não ser punido. Ou o time resgata histórias de atletas negros que fizeram sucesso por lá, como se isso dissesse que nunca existiu racismo no futebol. A gente sabe que não é verdade".

Marcelo defende que é preciso "pensar em educação. Um trabalho desde as categorias de base, com a torcida, uma formação de verdade. E não só o clube comunicar que o racismo é crime". O diretor executivo do Observatório diz que o maior desafio, entre todos e tantos hoje em dia, é o de trazer os próprios atletas para a conversa.

"Quando existe um encontro ou um debate sobre racismo dentro dos clubes, dificilmente temos a presença do homem que joga no profissional. As mulheres, assim como as categorias de base, em geral participam", revela.

"E mesmo assim, sem muito engajamento, as denúncias no futebol masculino tem aumentado. Isso mostra que mesmo não estando lá, os jogadores começaram a reconhecer o racismo no seu dia a dia, passaram a entender que isso não pode fazer parte do futebol. Que nem tudo que acontece no campo deve ficar no campo", finaliza Marcelo.

O trabalho do Observatório da Discriminação Racial no Futebol pode ser acompanhado aqui.