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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que é importante ler biografias?

Wallace, no ""Globo Esporte"", com a biografia ""Marighella ? O guerrilheiro que incendiou o mundo"" - Divulgação
Wallace, no ''Globo Esporte'', com a biografia ''Marighella ? O guerrilheiro que incendiou o mundo'' Imagem: Divulgação

Colaboração para Ecoa em Recife (PE)

17/03/2023 06h00

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Há quase 20 anos, um amigo pediu que eu nunca parasse de ler biografias. Na época eu não entendi. E ele me explicou que é nelas que a gente constrói o que chamou de profundidade histórica. A vida, ele disse ou eu inventei, não lembro, não é um enrolado de coincidências e predestinados. As coisas se constroem no encontro. Nos grandes e nos pequenos encontros.

É com a história de outra pessoa que a gente aprende que o caminho se faz caminhando. Que a vida é tijolo por tijolo. Que até o que entendemos como atalho daqui, às vezes é só mais um passo, por lá. Explicando assim assimilei melhor. E desde então elas não saem de perto de mim. Outro dia, numa conversa com juventudes de um projeto social, fiquei pensando neste amigo e no seu conselho.

O papo do dia era sobre como pensar num futuro com um presente tão desafiador, tão difícil. Com um presente que não inspira tanto a nossa esperança. Comecei dizendo que eu não sabia responder sobre isso, mas que as biografias me contavam que o presente sempre foi difícil para quem o viveu. De maneiras diferentes. E que o futuro é uma invenção. No sentido de não existir concretamente, mas também no sentido de precisar ser construído de fato.

Disse que eu aprendo a cada novo livro que não existe uma pessoa sequer que não tenha nascido de um contexto. Que as condições influenciam, e muito, mas não necessariamente determinam a história de alguém. Daí contei algumas dessas histórias com as quais elas e eles poderiam se identificar. Gostaram. Não sabiam que alguém que gostavam tanto tinha começado a construir quem é hoje na literatura a partir de um encontro com uma professora de português, aos 11 anos. A gente liga os pontos depois, é difícil adivinhar na hora que estamos cara a cara com o nosso futuro.

Conversamos sobre isso, também, que é um dos grandes desafios do nosso tempo: para um copo d'água sair da torneira é preciso que existam dezenas de outras pessoas trabalhando do outro lado, a quilômetros da nossa casa. O famoso mérito individual, que tanto vendem. Concordaram que iriam pensar melhor sobre essa história que estão nos contando, que talvez ela não faça tão sentido assim.

É um sintoma dessa aceleração toda, dessa vida contada nas redes sociais que não é a real, mas a idealizada: a gente tem se acostumado a pegar somente o finzinho das histórias e acreditar que as pessoas e coisas sempre estiveram ali e assim: grandes, famosas, influentes. Poderosas. Eu até brinquei com elas: todo mundo quer ser um escritor famoso, frequentar os grandes eventos do país, mas quem topa escrever todos os dias, sem ninguém ver, para isso acontecer de verdade? É que uma coisa está costurada na outra, faz bem não acreditar que as coisas são acontecidas na mágica. E, muito menos, no individualismo.

Daí perguntei a elas e eles: o que vocês gostariam muito de fazer com a vida de vocês e quais são as pessoas que vocês conhecem que já caminharam esse caminho? E começaram a contar. E daí pedi que listassem umas cinco pessoas e fossem conversar com elas. Não sobre o caminho que fizeram, que cada uma de nós tem o seu, mas sobre o sonho que vocês têm em comum. Ficaram animados.

Ando pensando muito nisso: como recuperamos a habilidade de as pessoas sonharem, especialmente entre as juventudes, nos tempos de hoje? Como alimentar esse lugar que nos dá um horizonte para onde caminharmos, mas sem as inocências de que não existirão desafios enormes no caminho? E que a existência do próprio caminho é, em si, um desafio enorme?

Saltos imaginativos. Num país violento de todos os jeitos, como construir uma sociedade que inspire, alimente e dê movimento aos sonhos de seu povo, ao invés de tirar dele até o direito de existir? Pode parecer filosófico demais, mas acredite, não é.