Sobre o plágio de AmarElo e os aprendizados para a imprensa tradicional
Músico, produtor, diretor artístico, empresário, palestrante e vencedor do Grammy Latino 2020 com o álbum AmarElo, do artista Emicida. Evandro Fióti, que além de tudo isso ainda é CEO da Laboratório Fantasma, é uma das intelectualidades que têm trazido as criações artísticas mais interessantes desses últimos anos, é quem mais rompe com o marasmo cultural do mainstream. E isso para além da música.
A série "O Enigma da Energia Escura", do GNT, e os desfiles da Lab Fantasma na São Paulo Fashion Week são apenas dois exemplos de como ele —e eles— tem inaugurado conversas poderosas e urgentes, costurando a arte como estratégia de diálogo, de construção da imaginação coletiva. Quantos mais têm conseguido produzir com tanto impacto e relevância cultural na última década?
Durante a transmissão em que denunciou o plágio conceitual e intelectual de AmarElo pela marca Bauducco, Fióti fez um convite: "Reflitam sobre isso de verdade. Tem banda de artistas brancos, que a gente encontra em todo lugar, que mal lançou um disco e em um ano já ganhou o Grammy. A gente levou 12 anos para ganhar um". E eu quero aproveitar e deixar uma outra reflexão:
Por qual razão os contadores dessa história no jornalismo tradicional insistem nesse vício cultural de resumir alguém a irmão de fulano, namorada de sicrano, affair de tal pessoa e só, nada mais? Foi o que mais li nas reportagens desses últimos dias. Como se já não bastasse a violência do roubo criativo, ainda há aquela que te resume em relação a outra existência.
Existência planificada
Me trouxeram esse conceito numa aula de roteiro de cinema alguns anos atrás, ao explicarem que alguns personagens de filmes acabam por não serem tão desenvolvidos, não ganham tanta profundidade histórica, nuances, detalhes, cumprindo mais um papel estético do que ajudando a contar uma história com a sua própria história. Se no cinema de ficção isso já é um grande problema, imagine só no jornalismo que trabalha com a realidade dos fatos. Não é falta de tempo, é desumanização que chama isso. E é grave, sabemos com quem é mais recorrente.
Faz parte do nosso trabalho situar quem nos lê sobre as pessoas da história que escolhemos contar. É assim que a leitora entenderá melhor de onde partem as visões de mundo que estão ali, por qual motivo navegam para essa e não para aquela opinião. E uma das maneiras de se fazer isso é historicizando os personagens, respeitando a sua trajetória e o seu lugar no mundo. O transformando em sujeito e não o resumindo a um arquétipo, a um estereótipo. Quem veio de periferias e favelas sabe bem do que estou falando. Pessoas não brancas, também.
E se contassem mais e melhor a contribuição do Evandro Fióti que, repito, é imensa, para a cena musical brasileira dos últimos anos? E se falassem mais e melhor sobre como o álbum AmarElo atravessou o tema saúde mental no caminho de centenas de milhares de jovens ao redor do país, o que poucas instituições conseguiram fazer?
E se alguém da indústria musical fizesse um artigo detalhado apontando como aquele álbum foi desdobrado cuidadosamente em mensagens, músicas, documentários, videocast e na moda? E que um Grammy ainda foi pouco para a importância cultural desse trabalho?
E se entrevistassem o Fióti em busca de compreender melhor como políticas públicas como o Programa VAI foram importantes para construir o que fazem e quem são hoje em dia; tão essenciais ao pensamento cultural brasileiro? Ele produz pensamento, entreviste-o nesse lugar.
Uma pessoa é multidimensional. E por isso mesmo, multi-interessante. Rompamos com a planificação das existências, contemos as pessoas como um todo. Todas as pessoas.
Deixe seu comentário