Tony Marlon

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Afastado para cuidar da saúde mental, Galhardo nos convida a falar do tema

O jogador do Fortaleza Thiago Galhardo está afastado temporariamente do seu trabalho. O clube cearense o liberou para cuidar da saúde mental. Galhardo indicou à diretoria que observava sinais de depressão e esgotamento mental há algum tempo. O quadro piorou após um atentado contra o ônibus do time alguns dias atrás, no Recife. Ali, transbordou.

Galhardo não é o primeiro, certamente não é único, e muito menos será o último. Ele é quem a gente sabe, tomou conhecimento.

Também atacante, Nilmar sempre foi uma das grandes promessas do futebol brasileiro. Talvez tenha sido, também, o primeiro caso público que atravessou o assunto saúde mental na conversa dos estádios e nos programas esportivos. Se aposentou aos 33 anos. Nos meses que antecederam a decisão já vinha convivendo com afastamentos e tratamentos para cuidar de uma depressão diagnosticada. Chegou uma hora que entendeu: acabou. Precisou cuidar de sua saúde mental de outros jeitos.

O último mapeamento da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostra que 5,8% da população brasileira sofre com a depressão. Em porcentagem parece pouco, mas são 11 milhões de pessoas. É muita gente em silencioso desespero.

Nosso imaginário coletivo está povoado de estereótipos e reducionismos sobre saúde mental. E isso é um perigo, para todas as pessoas e para o próprio país. É fácil perceber como o assunto é tratado. Basta ir até os comentários em resposta à notícia do afastamento de Thiago Galhardo. Muitos deles assim: "Ganha tanto dinheiro e com depressão?" Ou: "Homem não tem essas coisas, larga de frescura". Ou: "Ficou com medinho da pressão, jogador". São todos comentários reais, escritos no auge do nosso 2024.

Essa crença de que pessoas que têm acesso a bens materiais não precisam de apoio nesse campo da vida é uma ideia tão rasa quanto a outra, a de que homens não são alcançados pelo sofrimento psíquico. Nosso problema é estrutural e anterior a essa discussão: de modo geral, nós, homens, não somos alfabetizados emocionalmente para conseguir nomear os sentimentos.

Por isso é tão importante que casos como o do Thiago Galhardo, do Nilmar e tantos outros ganhem mais espaço na imprensa esportiva. Não de maneira sensacionalista, invasiva ou especulativa. De maneira responsável, como uma escolha editorial de cobertura.

Uma editoria de esporte — editoria é o termo usado para separar as áreas responsáveis pela produção de conteúdo de um determinado assunto nas redações — não pode ser resumida a como foi o treinamento ontem, a quem vai jogar amanhã. Tudo que acontece antes, depois e ao redor de um gramado, de uma quadra ou de uma pista é o próprio esporte acontecendo.

Imagine só quantas pessoas que têm pouco ou nenhum contato com o assunto saúde mental que seriam impactadas por 15 minutos ao vivo, naquele programa da hora do almoço, numa entrevista séria com uma profissional séria? Perdemos muitas chances de atravessar o importante e urgente no cotidiano da população.

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Que Galhardo tenha todo o cuidado necessário neste momento, que os 11 milhões de brasileiros encontrem a atenção e o suporte que precisam e que as pessoas que trabalham no esporte, dentro e fora das quatro linhas, entendam o poder que têm nas mãos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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