Brasil e os seus traumas: na dúvida, o esquecimento do golpe de 64
Há alguns dias corre a notícia de que o governo federal orientou os seus ministérios a não promover grandes atos ao redor da memória do golpe militar, que completa 60 anos em abril. Pelo que se diz aqui e ali, o objetivo é pacificar a relação com as Forças Armadas e distensionar a polarização pelo país. Não acontecerá nem uma coisa, nem outra. E todo mundo sabe disso.
A Comissão da Verdade, que investigou os 21 anos de crimes da ditadura, apontou 434 mortes e desaparecimentos. Torturadas, sequestradas e assassinadas, foram pessoas que largaram família, estudos, trabalhos e sonhos para se organizarem contra um grupo de empresários e militares que decidiu que um país inteiro deveria se curvar ao que eles acreditavam ser o melhor. À base de muita violência psicológica e física.
"Vamos parar de lembrar de tudo isso, bola pra frente, Brasil." Esse é o recado que as famílias das vítimas estão recebendo neste momento do Estado brasileiro. Filhos e filhas que perderam uma vida inteira de amor e companheirismo. Netos e netas que nunca puderam passar um domingo à tarde se divertindo com seus avôs e as suas avós. Casais que se esperam até hoje para um feriado que nunca vai acontecer. Para todas essas pessoas, herdeiras de saudade e sofrimento, o mesmo recado: vamos parar de lembrar de tudo isso. Bola pra frente, Brasil.
Um país que não elabora o seu passado está fadado a repeti-lo. De janeiro a janeiro, até o mundo acabar, como canta a poeta.
Lançado em 2022, "Argentina 1985" é um filme que mostra como nossa vizinhança de continente escolheu o caminho inverso. E como essa escolha corajosa constrói a cultura política de toda uma sociedade.
O filme reconta a história de Julio Strassera e Luís Moreno Ocampo, que processaram militares envolvidos em crimes durante a ditadura do país. Mais de 700 casos foram julgados. Foi a primeira ação do tipo no mundo. Durante o julgamento que durou dias e dias, toda uma comoção ao redor do que nunca pode ser esquecido: a barbárie como método, a violência como hábito.
A conciliação é um traço cultural do Brasil e permeia as nossas instituições. Na dúvida, o esquecimento. Ela é convocada em favor de uma suposta harmonia nacional que, se algum dia existiu, a gente nem lembra mais quando foi. Fica a pergunta: Quem ganha quando um país escolhe se esconder dos seus traumas históricos? A resposta está nas ruas, longe das cadeiras do poder: as mesmas pessoas de sempre.
O que não nomeamos não deixa de existir. Nem para a história, nem para quem teve negado o direito de enterrar o seu ente querido. Até os dias de hoje.
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