Tumor do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica mexe com a gente
O ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica ganhou as atenções quando a imprensa internacional passou a chamá-lo de "o presidente mais pobre do mundo". Pepe está com 89 anos. Explicou depois, tantas e tantas vezes: "Eu não sou pobre, eu sou sóbrio". Adiantou pouco.
Para grande parte da opinião pública, um fusca azul e uma casa como a de milhões de outras pessoas do seu país era quase um problema a ser apontado. Ou uma caricatura, um folclore. Pesquise na internet, são as duas imagens que o resumem. Como se o cargo que Mujica ocupava pedisse a quem o tem que se sente acima da sociedade, não ao lado dela. Humano demais para o poder.
Pepe, que anunciou nesta semana um tumor no esôfago, produz pensamentos complexos, mas os traduz em ideias acessíveis a qualquer uma. Por isso alcança tantos corações, sustenta tantas utopias.
Comunicar não é dizer uma coisa depois da outra, mas produzir sentir e sentido, para o outro lado. Ao reunir jornalistas, movimentos sociais e companheiras de partido para falar da sua saúde, declarou: "A vida é bela, mas se desgasta". Pronto, tudo estava dito.
Ao renunciar ao senado em 2020, no auge da pandemia do coronavírus, discursou que "ser senador significa falar com as pessoas e andar em todos os lugares". Pelas suas condições de saúde e a idade que tem, Pepe não podia fazer nem uma coisa, nem outra. Pronto, tudo estava dito. Estava se retirando da vida pública.
Anda em falta no mundo quem, assim como ele, diz coisas que ficam arrodeando o nosso juízo por dias, meses ou uma vida inteira: "Quando você vai comprar algo, não paga com dinheiro, paga com um tempo de sua vida que teve que gastar para ter esse dinheiro".
Agora, eu lembrei de outra:
"Os setores proprietários dizem que não se deve dar o peixe ao povo, que se deve ensiná-lo a pescar. Mas, se lhe tiramos o barco, os anzóis, a vara de pescar, tiramos tudo, temos que começar por lhe dar o peixe". Você pode dizer isso em uma hora e cansar todas as pessoas. Ou dizer assim, e pronto. Está dito.
Pepe é humano, até que se prove o contrário. Logo, carrega as suas contradições. Nada que seja diferente de você ou de mim. Não é sobre isso. Menos ainda é uma avaliação de seu governo, eu estou a 4.390 quilômetros do Uruguai. Que a população do nosso país irmão o faça. É que Pepe é uma figura pública fundamental para o debate público do nosso tempo. Faz bem reconhecer isso agora.
Ele é o contraponto essencial, pelo pensamento e as decisões que toma, aos valores individualistas e meritocráticos que ganham força em todo canto, arrastando nações inteiras ao colapso ambiental, social e econômico. Ao colapso da solidariedade. É 2024 e há países atacando outros; 21 milhões de brasileiras não têm o que comer todos os dias e o nosso congresso nacional custou R$ 36,9 milhões ano passado. Por dia.
Lembrei de outro pensamento, vindo dele: "O que é que chama a atenção mundial? Que vivo com pouco, em uma casa simples, que ando em um carrinho velho, essas são as notícias? Então este mundo está louco, porque o normal surpreende". Que Pepe se recupere bem, e vai. E que a vida continue o tirando para dançar. Igual ele tira as nossas perguntas.
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