Tony Marlon

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Opinião

A morte do motociclista Pedro Kaique: quando o absurdo já é paisagem

No Brasil, se pode morrer de muitas maneiras. Esquecido pela corrupção que não entregou a ambulância que deveria estar aqui. Daí você morre porque não conseguiram te resgatar a tempo. Desaparecida pela violência de gênero de quem acredita que a outra pessoa é uma propriedade, não uma vida autônoma que tem o direito aos seus próprios rumos. Daí você é morta.

De dia, a qualquer hora, na frente de quem estiver passando. A gente empilhando os corpos, as estatísticas, as famílias destruídas. Até quando?

No Brasil, se morre pelo direito humano de um ser amar outro ser. Ou morre quem não se aperta para caber numa existência que não lhe entrega tudo da vida. A gente veio ser o que é. Se morre por onde se mora dentro de uma cidade, também pela cor da pele de quem se movimenta todos os dias, na mesma cidade.

Se morre porque, simplesmente, uma outra pessoa decidiu que você não merece existir. Já que a sua existência, de alguma maneira, em sua forma de acreditar sobre como o mundo deveria ser. Como se o mundo devesse ser único e exclusivamente do jeito dele, com as crenças dele, com os afetos dele. Dele, dele e dele.

Da madrugada de segunda-feira (29) em diante, o Pedro Kaique Ventura Figueiredo, de 21 anos, não voltará para a sua família. Ele foi morto após ser atingido por um Porsche amarelo e atirado contra um muro. Foi morto, o jeito correto de escrever. Porque acidente é acidente. É uma fatalidade, quando algo que acontece surpreende a gente, quem está ao nosso redor.

É muito diferente quando se persegue alguém. Quando se acelera um carro contra alguém. Quando se coloca o veículo encostado na traseira da moto de alguém. E se empurra essa pessoa, reduzindo o veículo resistente a um monte de ferro retorcido. Uma moto, a outro amontoado de dor e prova. Uma mãe, um pai e muitas amizades, todas reduzidas a um vazio de vida toda.

Não foi um carro importado que matou um jovem, como diz uma ou outra manchete por aí. Foi uma pessoa que, dirigindo um carro importado, o transformou numa arma letal com seus comportamentos e decisões. Que fez uma escolha consciente por seguir outra pessoa, assumindo um alto risco e muitos perigos. Para dizer o mínimo.

O que está acontecendo com o nosso pacto civilizatório? Quais são os valores que estamos sustentando como sociedade para que cenas assim estejam cada vez mais frequentes? Em qual momento a gente banalizou este comportamento, seja pela certeza da impunidade, pela crença de que é assim que se resolve a vida neste momento da história?

Outro dia uma pessoa tirou um corpo do para-brisa do seu carro, depois de um atropelamento, e continuou dirigindo pra sumir do que aconteceu. Até agora, sobre ele, nada. A gente tem assistido só a dor da sua ex-companheira, que anda gritando justiça. Gritando para quem?

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Sério que é assim, fácil de escapar de uma justiça que diz que todos somos iguais, mas que alguns são mais iguais que os outros? O Brasil sempre foi violento, é só perguntar a quem sempre sofreu com essas violências. A diferença é que hoje ela é filmada. A dor engaja, também é por isso.

Mas parecem existir mais coisas nessa história. Parece uma banalização da vida do outro de um jeito como nunca, mesmo. Da dor do outro, dos traumas que a outra pessoa carrega. E a gente não liga muito, deixa comentários que afundar o outro lado em mais dor, mais trauma. Como a gente chegou até aqui? E, mais importante, há alguma maneira de sairmos disso? E, essencial: fazendo isso juntos?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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